BELÉM (PA) – A indígena do povo Kumaruara, Hélida Sousa, 27 anos, passou, na terça-feira, 8, por uma situação que classificou como racista e discriminatória ao tentar utilizar um serviço de transporte por aplicativo da empresa 99 em Belém (PA), segundo relato feito à CENARIUM.
A artesã conta que um motorista de nome Daniel se recusou a transportá-la, alegando que seus grafismos — pinturas tradicionais feitas no corpo — poderiam sujar o veículo. De acordo com Hélida, o homem alegou explicitamente que “não carrega esse tipo de gente”.
Para ela, esse foi mais um episódio de racismo e discriminação. “Foi horrível, não é a primeira vez que acontece comigo”, desabafou ela, mencionando que já sofreu outras formas de discriminação e assédio ao longo de sua vida.
Hélida estava acompanhada pela irmã dela e mais duas colegas de trabalho quando o incidente ocorreu, durante o intervalo para o almoço no bairro Guamá. A irmã foi encontrá-la em um restaurante, onde estava com as colegas.
Ao término do almoço, as mulheres solicitaram um carro de transporte por aplicativo para retornarem ao trabalho, mas, ao se aproximarem do veículo, o motorista se recusou a transportá-las, alegando que uma delas iria “sujar o carro” com a pintura corporal.
Apesar de explicar que os grafismos eram feitos de jenipapo e que a tinta já estava seca, o motorista insistiu na recusa. A atitude do homem gerou indignação e revolta das mulheres presentes, que o confrontaram.
O caso foi registrado na Delegacia de Combate a Crimes Discriminatórios e Homofóbicos, onde Hélida formalizou a denúncia contra o motorista. Também foi registrada uma denúncia no aplicativo 99, quem a CENARIUM questionou sobre o ocorrido e aguarda retorno.
A vítima e as amigas esperam que a justiça seja feita e que o responsável responda legalmente pelo ato de racismo. “Dessa vez a gente não deixou passar ‘barato’, a gente acredita muito que a justiça vai ser feita, sim”, afirmou Hélida.
Racismo contra indígenas em Belém
Para Hélida, este não é um episódio isolado, e casos de racismo e discriminação contra indígenas têm se tornado recorrentes em Belém e outras regiões do Pará.
Ela lembrou do caso de Tel Guajajara, jovem indígena da etnia Guajajara e estudante de Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA) que recentemente ganhou na Justiça o direito de ser indenizado por outra empresa de aplicativo após um ato racista cometido por um motorista da plataforma.
Tel processou a empresa após ter sua corrida recusada por conta dos grafismos étnicos em seu corpo, ouvindo do motorista que não levaria um “índio” por temer que o veículo ficasse sujo. Em 2022, a Justiça do Pará determinou que a empresa pagasse R$ 15 mil em indenização por danos morais, mas a plataforma ainda recorre da decisão, alegando não ser responsável pela conduta individual do motorista.
“Esse caso do Tel Guajajara se tornou referência para outros parentes também tomarem essa medida”, comentou Hélida. “Também por conta do racismo, que acontece muito aqui em Belém. Eu não sou a primeira, eu sei também que eu não vou ser a última, mas a gente não pode se calar”, frisou.
Para Hélida Sousa e outras mulheres indígenas, a luta contra o preconceito é constante e dolorosa. “Somos mulheres indígenas, militantes e ativistas. A gente vem de território, a gente tem uma base, a gente tem uma aldeia. Eu sou uma mulher preta e indígena. Então, pesa, né? É uma luta constante que a gente tem que aprender a viver com essa sociedade racista e machista”, destacou Hélida em seu relato.
Posicionamento da 99
Procurada pela CENARIUM, a empresa 99 informou por meio de nota que “lamenta profundamente o episódio de intolerância e reforça que tem uma política de tolerância zero em relação a qualquer forma de discriminação”. A 99 disse ainda que: “Assim que o relato foi registrado, o perfil do motorista foi bloqueado e uma equipe realizou contato com a passageira Hélida para oferecer todo o suporte e acolhimentos necessários. A plataforma se coloca à disposição para colaborar com as investigações das autoridades, se preciso”.
A companhia reforçou que “o respeito mútuo é a base da comunidade do aplicativo e obrigatório para a utilização do app. Todos os usuários, sejam eles motoristas ou passageiros, devem se tratar com educação e boa-fé, independente de sua religião, credo ou raça. A comunidade da 99 não tolera comportamentos ofensivos, atitudes agressivas e outras formas de violência. Por isso, a empresa investe em segurança e conscientização através de iniciativas como a do Guia da Comunidade 99, que traz orientações sobre como agir e quais comportamentos não são aceitos na plataforma”.