Maurício Duarte começou a customizar camisetas com pinturas à mão quando tinha 15 anos e acompanhava sua mãe em feiras de artesanato em Manaus. Indígena do povo Kaixana, o trabalho manual é tradição na família: a mãe esculpia e vendia peças de decoração em madeira; já a avó e a tia – ele cita as duas como suas principais inspirações – tinham como ofício a costura. “Para nós, o artesanato é um saber ancestral, que não pode ser perdido, mas é também uma necessidade de subsistência. Muitas das nossas técnicas são extremamente ancestrais, mas, no dia a dia, você cria o que for preciso para conseguir trabalhar”, conta o estilista.
Nascido em Manaus, o criador passou uma parte da primeira infância em Iranduba, a 40 quilômetros da capital amazonense, numa comunidade formada por indígenas e povos ribeirinhos, antes de se reinstalar com a família em sua cidade natal. Chegou a estudar desenho industrial, mas foi ao ganhar um concurso de vitrinismo do Senai que recebeu uma bolsa para estudar moda na Faculdade Santa Marcelina. Mudou-se para São Paulo e, em 2019, ano de sua formatura, abriu seu primeiro ateliê. “Em Manaus, não se fala muito sobre ser indígena, exceto quando são pessoas que vivem em contexto aldeado. Acabamos achando que nossas vivências são menos válidas por termos saído da aldeia, mas muitas vezes isso não é uma escolha”, conta o estilista. Os povos indígenas ainda sofrem muito preconceito e são alvo de estereótipos negativos, o que acaba inibindo a identificação e a reivindicação de suas origens.
Quatro anos após lançar sua marca, Maurício conquistou outro trunfo na moda: no fim de maio, fez seu desfile de estreia no São Paulo Fashion Week. A entrada no calendário da principal semana de moda do país traz mais visibilidade para o trabalho que o estilista vem desenvolvendo com sua marca, instalada no bairro de Pinheiros, onde confecciona suas peças e recebe seus clientes. Sempre presentes em suas criações, as referências às suas origens ganham destaque na nova coleção por meio do trabalho coma fibra de arumã. Vinda da planta originária da região Norte do país, também é usada na confecção de cestarias dos povos indígenas de diversas regiões do Amazonas.
O caráter artesanal e rústico da fibra de arumã é combinado à alfaiataria majoritariamente em preto e branco, em peças inspiradas no período da belle époque brasileira no Amazonas (1890 – 1920), caracterizado pelo auge do ciclo da borracha. Esse momento de prosperidade se restringia aos brancos que ocupavam a região, enquanto os povos indígenas e negros trabalhavam na extração do látex das seringueiras. Por isso, as roupas estruturadas da burguesia da época, como corsets, saias com anáguas e chapéus são reinterpretadas por Maurício a partir da fibra e desfiladas exclusivamente em modelos indígenas e negras, simbolizando a devolução da riqueza que outrora lhes foi tirada.
O trabalho primoroso com uma matéria-prima regional e específica é resultado da parceria com artesãos indígenas de diferentes etnias no interior do Amazonas. Em especial, Janaína Baniwa, Fileto Baré e Carolina, José e Lucinda Curipaco, na comunidade do Areal, em São Gabriel da Cachoeira. Hoje, centenas de famílias amazonenses de mais de 12 etnias indígenas já são impactadas direta ou indiretamente pela marca. “Ver esse trabalho sendo apreciado no São Paulo Fashion Week como luxo pode fazer com que as pessoas tenham outro olhar sobre esse produto e sobre o artesanato. Estamos produzindo alta moda, mas vivemos com muito pouco”, afirma o estilista.
Ao contar sobre o processo, Maurício aponta a dificuldade de acesso ao local e logística de transporte do material, que o encarece. Para chegar a São Gabriel, é necessário um voo de cerca de três horas saindo de Manaus ou uma viagem de barco, que pode durar até três dias. O estilista também mostra, emocionado, vídeos que gravou dos artesãos trançando as fibras, enquanto se apresentam em português e em seus respectivos dialetos indígenas.
Com sua presença no São Paulo Fashion Week, ele espera inspirar outros jovens de origens similares e abrir portas e criar oportunidades para que as próximas gerações não sejam obrigadas a sair de suas cidades e regiões de origem para estudar no Sudeste, como aconteceu com ele. “Sou indígena, mas sou um estilista. Não quero ficar reduzido ao rótulo de estilista indígena ou manauara”, diz. “Sou a continuação dos meus ancestrais, mas não quero viver da mesma forma que eles tiveram que viver, e sofrer o mesmo apagamento que eles sofreram.”