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Obras de Parque Aquático seguem na Terra Indígena Xukuru Kariri mesmo após avisos de ilegalidade do projeto

Parque leva o nome do escritor natural de Palmeira dos Índios. Foto: Divulgação/Povo Xukuru Kariri

Enquanto os Xukuru Kariri se tornam referência na produção de alimentos a partir de práticas agroecologias, e pela quarta vez seguida estão na lista de doadores do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal, a Prefeitura de Palmeira dos Índios, a quarta maior cidade de Alagoas, cedeu de forma ilegal parte da Terra Indígena do povo para a construção de um Parque Aquático, além de um segundo empreendimento em estágio não tão avançado.

De acordo com a Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Prefeitura havia sido comunicada pelas autoridades públicas federais de que não poderia seguir adiante com o projeto por se tratar de área demarcada como Terra Indígena (leia mais abaixo). Os avisos, feitos em mais de uma ocasião, foram ignorados pelo Poder Público municipal e os Xukuru Kariri constataram no local que as obras seguem a todo vapor.

Os alimentos plantados e colhidos pelos indígenas, sem o uso de agrotóxicos e em comunhão com o bioma da região, abastecem a população carente da própria cidade. “Enquanto estamos levando comida para a mesa da população, a Prefeitura invade as nossas terras para construir um parque. O Poder Público desrespeita as leis ao invadir a Terra Indígena e despreza quem se beneficia do nosso trabalho, da nossa partilha”, analisa a liderança Gecinaldo Xukuru Kariri.

A doação de alimentos feita pelos Xukuru Kariri beneficia cerca de 500 pessoas da Associação Comunitária Padre Cícero de Vila Nova, bairro de Palmeira dos Índios, além de outras 195 pessoas cadastradas pelo Movimento Pró-Desenvolvimento Comunitário. As lideranças afirmam que não contam com o apoio da Prefeitura neste trabalho que faz da Terra Indígena um recurso importante para a segurança alimentar também da população não indígena.

O parque teve a pedra fundamental inaugurada pelo Poder Público no último dia 31 de março e começou a ser construído em uma área da Terra Indígena com cerca de 30 mil metros quadrados. A entrada será pela rodovia AL-210. Ainda conforme informações da Prefeitura, “o município entrou com apoio fiscal e locacional, a partir de uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores”.

“A exploração do empreendimento será privada e a Prefeitura não sabe precisar quantos empregos serão gerados”

A Terra Indígena Xukuru Kariri teve a Portaria Declaratória publicada no Diário Oficial da União em 14 de dezembro de 2010 com a declaração de posse permanente do povo de 6.927 hectares, e perímetro aproximado de 45 km. Desse total, os Xukuru Kariri vivem efetivamente em apenas 1.500 hectares: todo o espaço restante está nas mãos de invasores. Há quase 15 anos o povo aguarda a homologação e desintrusão do território demarcado.

Placa colocada em razão do lançamento do empreendimento ilegal. Foto: Divulgação/Povo Xukuru Kariri

Prefeitura estava avisada

Em ofício encaminhado ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU), no último dia 10, a Coordenação Regional Nordeste I da Funai denuncia a irregularidade do empreendimento e pede providências imediatas dos órgãos para impedir a progressão das obras do Parque Aquático, que pelas fotos devem chegar à fase final em pouco tempo.

Conforme o ofício, em dezembro de 2023 o povo Xukuru Kariri se reuniu e reafirmou a rejeição à construção do Parque Aquático. “Igualmente importante registrar que também ocorreu uma reunião entre o MPF, DPU, município, representado pelo senhor prefeito (Julio Cezar), sua procuradoria e a Coordenação Regional Nordeste 1 (da Funai), reunião convocada pelo MPF e DPU (…) na qual foi comunicado ao gestor que a obra era irregular”.

O documento denuncia ainda que não se trata apenas de um empreendimento. Além do Parque Aquático, a Prefeitura cedeu outra área da Terra Indígena para a construção de um Distrito Industrial. A Coordenação Regional da Funai afirma que as obras deste outro empreendimento também estão em curso mesmo após as reuniões informando ao Poder Público da irregularidade do projeto previamente rejeitado pelo povo Xukuru Kariri.

“É humilhante a homologação que não sai, que é protelada, tirada de pauta no último instante, posta num lugar sem horizonte. É ultrajante o território tradicional do povo Xukuru Kariri continuar intrusado, machucado, ofendido (…) recorremos à memória de Alfredo Celestino, Miguel Selestino, das guerreiras Maninha e Raquel, e de várias outras lideranças do povo Xukuru Kariri”, diz trechos do ofício assinado pelo coordenador Cícero Ferreira Albuquerque.

Local já conta com piscinas e outras estruturas. Obras avançaram mesmo com avisos de irregularidades. Foto: Divulgação/Povo Xukuru Kariri

Negativa de Lula e visita da ministra Sônia Guajajara

Para as lideranças Xukuru Kariri, a morosidade do governo federal para homologar e realizar a desintrusão da Terra Indígena tem oferecido liberdade para os invasores consolidarem-se no território tradicional do povo – que já sofreu uma substancial redução. Antes da publicação da demarcação, em 2010, a Terra Indígena chegou a ter estudo de delimitação garantindo 36 mil hectares aos indígenas. A redução acabou sendo drástica, para os quase 7 mil hectares publicados.

Durante a última reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), no dia 18 de abril, na Esplanada dos Ministérios, se esperava que Lula assinasse a homologação de seis terras indígenas, entre elas a Xukuru Kariri. No entanto, Lula assinou apenas duas e entre elas não estava a do povo de seu Antônio Celestino Xukuru Kariri, que, com quase 90 anos, saiu de Palmeira dos Índios e foi a Brasília na esperança do ato administrativo da Presidência.

“Nós queremos o melhor para os indígenas e para os produtores rurais, mas se tiver gente que grilou terra, nós precisamos de uma solução negociada ou então entrar na Justiça para tirar eles. Não podemos assinar hoje e amanhã sair uma decisão da Justiça na direção contrária. A frustração seria maior”, disse Lula.

O movimento indígena ouviu o presidente com incômodo e as lideranças rapidamente viram um filme se repetir diante de seus olhos. Organizações indígenas pontuaram que a obrigação da Presidência é homologar as terras indígenas; não se trata de uma escolha política. O que vem se consolidando entre lideranças indígenas, organizações indigenistas e opinião pública é que o governo, e agora o Supremo Tribunal Federal (STF), usa os direitos indígenas como barganha.

Pouco depois, em 10 de maio, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, esteve na TI Xukuru Kariri para explicar a decisão do governo de protelar a conclusão dos procedimentos demarcatórios, com homologação e desintrusão. A ministra disse que protelar seria uma forma de buscar condições políticas mais adequadas.

“A gente acredita que é só uma assinatura, mas percebemos que existem muitas outras forças contrárias impedindo de fazer (o procedimento demarcatório) avançar”, disse a ministra.

Sônia afirmou que existe vontade política do governo de fazer as demarcações, mas “forças contrárias” têm barrado a publicação de portarias declaratórias, o avanço de processos e as homologações.

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