Depois de um final de semana de ataques por jagunços ligados a ruralistas, o povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul obteve uma vitória na Justiça Federal. Nesta segunda-feira (5), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) suspendeu a ação de reintegração de posse que determinava o despejo da comunidade indígena da Terra Indígena Panambi Lagoa Rica, localizada no município sul-matogrossense de Douradina.
A deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) celebrou a vitória em postagem nas redes sociais.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os povos indígenas têm o direito de permanecerem nas terras que tradicionalmente ocupam durante a tramitação de procedimento demarcatório, quando houver riscos de conflito com a retirada da comunidade indígena.
Além disso, o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73) reconhece o direito dos povos indígenas à posse permanente das terras por eles habitadas, independentemente de demarcação.
Final de semana violento
No sábado (3), um grupo armado de jagunços ligados a ruralista deflagrou ataques em meio às retomadas na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, identificada e delimitada desde 2011, em Douradina (MS), deixando ao menos dez Guarani Kaiowá feridos, dois em estado grave.
No domingo (4) houve mais uma rodada de violência. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), novos ataques ocorreram com base em fake news publicadas em perfis de ruralistas nas redes sociais afirmando que os Guarani e Kaiowá “invadiram” mais fazendas em Douradina, indo além das sete retomadas em que já se encontram dentro dos limites da Terra Indígena Lagoa Panambi.
O órgão afirmou ainda que “essa foi a senha para no começo da noite, entre 18 e 19 horas, mais um ataque contra os indígenas ter início, desta vez na retomada Yvy Ajere”.
Ministério emite nota
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou uma nota oficial na noite deste domingo sobre os ataques ocorridos em territórios indígenas no Mato Grosso do Sul. A nota informa que equipes do MPI e da Funai, juntamente com agentes do Ministério Público Federal (MPF), foram ao local para prestar atendimento às vítimas.
O MPI acionou o Ministério da Justiça para obter explicações sobre a ausência da Força Nacional no território indígena antes do ataque e anunciou medidas para conter a investida dos fazendeiros contra os povos originários.
Feridos fora de perigo
Os três indígenas Guarani e Kaiowá feridos durante o ataque em Douradina estão fora de perigo de morte, conforme informou a equipe médica do Hospital da Vida em Dourados. A atualização foi passada na manhã deste domingo a representantes do MPF e do MPI, que se dirigiram às retomadas da Terra Indígena Lagoa Panambi para ouvir depoimentos sobre o ataque ocorrido no sábado.
Entre os feridos, J.F.C, de 17 anos, foi baleado no pescoço; E.A.G, de 20 anos, sofreu um disparo na cabeça; e R.H.C, de 16 anos, foi atingido na cintura e nas nádegas. Ao todo, dez indígenas ficaram feridos, incluindo uma idosa atingida por balas de borracha.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) mobilizou atendimento emergencial com apoio do Corpo de Bombeiros para transportar os feridos mais graves para Dourados. A Força Nacional retornou à área após pressão.
Acampamento do MST incendiado
Nas redes sociais, o Cimi denunciou outro ataque do mesmo grupo que aterroriza os povos originários, desta vez contra o acampamento Esperança, do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), localizado em Dourados (MS).
“Retaliação e violência – o acampamento Esperança, do MST em Dourados (MS), foi atacado e incendiado na madrugada deste domingo. Representantes do Esperança estiveram na segunda nas retomadas de Douradina prestando solidariedade aos Guarani e Kaiowá,” diz a legenda de um vídeo que mostra o incêndio.
Cerca de 300 famílias moram no Acampamento Esperança, a poucos quilômetros de Douradina, que foi atacado e incendiado. Integrantes do local haviam visitado a Terra Indígena Lagoa Panambi na segunda-feira para prestar solidariedade e levar mantimentos às retomadas Guarani e Kaiowá.
Durante a visita, os veículos da comitiva de solidariedade, composta por movimentos sociais, incluindo o MST, foram parados e inspecionados pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF). Documentos pessoais e placas dos carros foram fotografados. No entanto, apenas os membros do MST foram obrigados a sair dos veículos e informados de que seriam autuados por invasão de propriedade privada.
No ataque da madrugada, testemunhas relataram a presença de cerca de dez caminhonetes e duas motocicletas. “Fazendeiros não permitiram que o corpo de bombeiros agisse rapidamente, bloqueando o acesso imediato ao local dos incêndios. Alguns barracos foram destruídos pelo fogo, mas a infraestrutura será recuperada depois,” afirmou uma nota do acampamento Esperança. O texto enfatiza que a solidariedade do MST aos Guarani e Kaiowá permanecerá firme.
A nota ainda critica a ausência deliberada das autoridades de segurança. “A inércia e a falta de ações concretas de reforma agrária e demarcação de terras indígenas intensificam os conflitos agrários. Audiências e boas conversas são ineficazes,” conclui o comunicado do acampamento Esperança.