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Chile reconhece que violou direitos de indígenas mapuche criminalizados por protestos

Indígenas mapuche em protesto/Crédito: Prensa Obrera/Wikimedia Commons

O Chile reconheceu à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), durante audiência pública, que violou direitos fundamentais de 140 indígenas mapuche, condenados criminalmente por causa de protestos realizados em 1992, por ocasião do aniversário de 500 anos de colonização espanhola no país.

Entre os dias 16 e 20 de junho daquele ano, membros do Conselho de Todas as Terras, organização que reúne autoridades indígenas mapuche, ocuparam momentaneamente onze propriedades vizinhas às suas comunidades para chamar a atenção da opinião pública sobre diversas reivindicações, principalmente relacionadas a reconhecimento de território.

“A reivindicação fundamental do Conselho foi exteriorizar a presença do povo-nação mapuche, distinto do povo chileno, já que tem um idioma próprio, história diferente e territórios existentes antes da existência do Chile. O objetivo do Conselho foi, portanto, dar visibilidade a essa história de negação, reivindicar as terras que haviam sido usurpadas e, ao mesmo tempo, defender a nossa existência como povo originário”, disse em audiência da Corte IDH a linguista mapuche Elisa del Carmen Loncon Antileo, integrante do Conselho de Todas as Terras e ex-presidente da Convenção Constitucional do Chile.

Em virtude das manifestações, os indígenas foram submetidos a processo criminal e condenados, em 11 de março de 1993, pelos crimes de usurpação, associação ilícita, desacato, furto, ocultação de furto e lesões. As penas iam de pagamento de seis salários mínimos até três anos e nove meses de prisão.

“Nos perseguiram como se fôssemos delinquentes, quando nós nos organizamos para recuperar a memória, para recuperar nossas organizações tradicionais, para recuperar nosso idioma, nossas cerimônias, nossas atividades”, afirmou Elisa Antileo.

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a utilização da via penal para punir os manifestantes implicou em violações de direitos. “A aplicação do Direito Penal neste caso implicou na criminalização de um movimento social de um povo indígena, que afetou seus direitos à liberdade de expressão e de associação”, defendeu a comissária Julissa Mantilla Falcón.

Segundo a CIDH, o juiz do caso atuou como ente acusador e como sentenciador, exercendo assim dupla função. Desse modo, para a Comissão, houve violações também aos direitos de ser julgado por uma autoridade imparcial, do direito à motivação adequada, do princípio da presunção de inocência, do direito à notificação prévia e detalhada da acusação, do direito de tempo e meios adequados para preparar a defesa, o princípio da legalidade e o princípio da igualdade e da não discriminação.

O líder mapuche Aucan Huilcaman Paillama, representante do Conselho de Todas as Terras, disse aos juízes da Corte IDH que os protestos foram motivados pela expulsão dos indígenas de seus territórios.

“Historicamente, o Estado do Chile tomou a decisão de invadir e anexar o território mapuche, mediante a força e a violência militar, cometendo assim dois crimes ao mesmo tempo: a tomada, ocupação e confiscação do nosso território e de nossos recursos e também o crime de genocídio. Esses fatos históricos foram as causas das nossas motivações em 1992, por meio de reinvindicações pacíficas”, declarou.

Como medidas de reparação, o líder indígena pediu que a Corte ordene a restituição dos territórios aos povos originários, a reparação financeira às vítimas, a criação de um programa de saúde específico a eles e a instituição de programas linguísticos para a recuperação e uso público do idioma mapuche.

“A decisão a ser tomada neste tribunal terá impacto no presente e no futuro do povo mapuche”, comentou Paillama.

Representante estatal, Daniela Quintanilla Mateff, chefe da Divisão de Proteção da Subsecretaria de Direitos Humanos do Chile, abriu sua intervenção dizendo que o país tem “uma dívida histórica com os indígenas”. Ela afirmou que o Estado tem se esforçado para promover o diálogo com os mapuche e que tentou, ao máximo possível, entrar em acordo com os representantes indígenas, o que não foi possível.

Em nome do Estado, Mateff reconheceu que, ao processar os mapuche criminalmente, o Estado violou os direitos ao devido processo legal, à liberdade de expressão e de associação. “O Estado compreende que o Direito Penal não pode estar a serviço da censura e nem do prejuízo indevido de outras liberdades fundamentais que são certamente essenciais para a consolidação democrática”, disse ela.

A representante também admitiu falhas processuais. “Não existe controvérsia sobre as irregularidades detectadas durante a acusação e posterior sentença por parte do juiz instrutor da causa penal. Tampouco sobre as inconsistências verificadas ao longo do processo, que tiveram como lamentável resultado pessoas que foram acusadas e omitidas da sentença e, por outro lado, pessoas condenadas sem que houvesse acusação”.

O Estado, porém, discordou de outras violações atribuídas ao Chile pela CIDH. Tomás Pascual Ricke, diretor-geral de Direitos Humanos do Ministério de Relações Exteriores do Chile, disse que não é possível admitir que houve parcialidade do juiz nem sustentar que não havia motivação para o processo.

“Nem a representação das vítimas nem a Comissão Interamericana dizem de que maneira o juiz havia agido com parcialidade, visto que parcialidade diz respeito a uma aproximação prévia a respeito de algumas posições que estão em jogo. O mesmo juiz absolveu uma quantidade importante de pessoas, o que demonstra que não houve parcialidade”.

Segundo Ricke, ao sentenciar, o juiz não fugiu às regras da época, visto que predominava no continente o sistema inquisitório, quando o magistrado tem poder para investigar e julgar.

“Não eram inquisitórios todos os sistemas criminais da época nas Américas? Não era esse o modelo de persecução penal existente? Por acaso a comissão vai analisar todos os processos inquisitórios alegando falta de imparcialidade? Creio que não. Esta representação reconhece que as ações penais contra as vítimas provocaram violações específicas e bem delimitadas a algumas dimensões de artigos convencionais. Contudo, esse reconhecimento parcial se limita ao caso concreto e não implica em questionamento à convencionalidade do sistema inquisitivo, vigente à época dos fatos”, justificou o representante do Estado.

Ele também argumentou que não é possível atribuir ao Estado a violação à presunção de inocência, considerando que as ocupações de propriedades poderiam caracterizar irregularidades. “Não é possível considerar que existe uma violação à presunção de inocência se existem provas, baseadas em irregularidades empíricas, que permitam justificar as decisões nos processos”.

Após a audiência pública, realizada entre os dias 9 e 10 de outubro, as partes têm um mês para apresentar as alegações finais por escrito. Depois disso, a Corte pode emitir sentença a qualquer momento.

Participam do julgamento os juízes Ricardo César Pérez Manrique (presidente, Uruguai), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina) e Rodrigo Mudrovitsch (Brasil). A juíza Patricia Pérez Goldberg, do Chile, não participará do julgamento porque o regulamento da Corte não permite em casos do país de origem.

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