Os indígenas sempre foram um alvo no Brasil, como se o país não os pertencesse. Durante todo o século XVI, no processo de colonização, os portugueses escravizaram e criaram um campesinato indígena por meio da aculturação e destribalização – praticado pelos jesuítas e depois pelas demais ordens religiosas –, então sua integração gradual como trabalhador assalariado.
Ao longo desse processo, a mão de obra indígena se tornou indispensável para os negócios açucareiros, uma vez que a Coroa portuguesa não tinha recursos suficientes para importar africanos para trabalho escravo, pois visavam a grande produção de açúcar na costa brasileira.
Entre 1540 e 1570, considerado o apogeu da escravidão indígena, as populações nativas foram exterminadas, tanto pelos conflitos violentos, quanto pelas doenças trazidas pelos europeus. Séculos mais tarde, apesar de todo o avanço, os indígenas nunca deixaram de ser alvo, e isso ficou bem claro quando foram presos em cadeias indígenas durante a Ditadura Militar.
O caminho da destruição
Após o Golpe de 1964, em meio a decretos e novas leis instauradas pelo governo de Castelo Branco, iniciou-se um processo de gestação para que as fronteiras internas do Brasil fossem expandidas, criando cidades, ampliando os negócios, as rodovias e o escoamento de matérias-primas. Essa ideia construiu o Plano de Integração Nacional (PIN), que só foi concretizado em 1970 quando Emílio Médici assumiu o comando do país e lançou sua campanha de “milagre econômico”.
Essa expansão que o PIN proporcionaria significava assassinato individual e coletivo, perseguição, criminalização, tortura e prisão de lideranças indígenas que lutavam por seus territórios. Também seriam punidos aqueles que tivessem comportamento considerado inadequado frente à política vigente e de desenvolvimento do regime militar.
Não havia nada que defendesse os direitos indigenistas, visto que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) foi criada apenas em 1967, como uma maneira de abafar os escândalos de corrupção, esbulho de terra, violação de direitos humanos e a participação de funcionários do antigo Serviço de Proteção aos Índio (SPI), fundado em 1910. Quando a ditadura militar deu seu primeiro golpe, a FUNAI – que não fazia muito, mas ainda podia ser efetiva –, também foi aparelhada.
Com isso, os indígenas foram vistos como verdadeiros obstáculos em meio aos planos do governo de Médici, que fazia de tudo para silenciá-los. Inclusive, a construção de cadeias para os aprisionar durante as invasões – como aconteceu na construção da rodovia Transamazônica BR-230, planejada para cortar o Brasil da fronteira com o Peru até João Pessoa na Paraíba –, afetou de maneira trágica 29 grupos indígenas, dentre eles, 11 etnias que viviam completamente isoladas.
Negligenciados para sempre
A FUNAI foi a responsável por gerir e manter dois centros de detenção no interior de Minas Gerais, como o Reformatório Krenak, em Replendor, e a Fazenda Guarani, em Carmésia. Os lugares funcionavam quase como campos de concentração para onde mais de 100 indígenas de dezenas etnias, oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país, foram presos.
As instalações eram vigiadas e guardadas pelos policiais militares, enquanto lá foi violado todos os tipos de direitos humanos sob a radicalização de práticas repressivas que já existiam na época do antigo SPI.
“Meu avô foi preso no Reformatório Krenak. Amarrado pelos pés, ele chegou a ser arrastado pelo cavalo de um militar”, revelou Douglas Krenak, de 30 anos, ex-coordenador do Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais (Copimg). Muitas pessoas desapareceram após ingressarem nessas cadeias, cujos familiares vivem até hoje sem qualquer tipo de resposta do Estado.
Krenak lembra que em 2009 recebeu um convite para participar da comemoração aos 30 anos da Anistia do Brasil, em Belo Horizonte, em meio a uma grande discussão sobre a indenização daqueles que sofreram com a ditadura. No entanto, a situação indígena durante o período foi totalmente esquecida e esnobada pelos tópicos.
De acordo com Geralda Soares, pedagoga e ex-integrante do Conselho Indigenista Missionário em Minas Gerais, a reparação do que aconteceu com os povos indígenas na ditadura militar é fundamental. Isso porque o que eles sofreram não difere dos outros grupos que também estavam lutando por seus direitos tanto quanto eles, que estavam em um embate justo por sua terra.
Afinal, como bem colocou Maria Hilda Baqueiro Paraíso, professora associada da Universidade Federal da Bahia (UBA): “Se cabe para os outros, porque não aos indígenas?”.