A Justiça Federal de Alagoas determinou a cessação definitiva de todas as obras em andamento na Terra Indígena (TI) Xukuru-Kariri, localizada no município de Palmeira dos Índios (AL). A decisão, publicada no dia 31 de março, também obriga o município e a empresa, responsáveis por empreendimentos dentro do território, a desfazerem todas as construções já realizadas. A 8ª Vara Federal de Alagoas aceitou os argumentos apresentados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no âmbito de uma Ação Civil Pública que visa assegurar ao povo Xukuru-Kariri os direitos de usufruto exclusivo do território previstos na Constituição Federal de 1988.
Em agosto de 2024, a 8ª Vara Federal proibiu quaisquer atividades de construção, implementação de pólos industriais, parques aquáticos ou qualquer empreendimento privado no território, sob pena de multa diária no valor de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Por meio da Procuradoria-Geral Federal (PGF), com o apoio da Procuradoria Federal Especializada (PFE), que atua junto à autarquia, a Funai solicitou na ação a condenação do município e da empresa, responsáveis pelo empreendimento, comprovando que as obras estão dentro da terra indígena, o que viola o direito de posse do povo Xukuru-Kariri.
A Funai comprovou também que os envolvidos sabiam que o imóvel estava inserido em território indígena e, inclusive, apresentaram manifestação no processo administrativo de demarcação da TI em 2009. A TI foi declarada em 2010 e fisicamente demarcada pela Funai em 2013. Mesmo assim, com pleno conhecimento sobre a área declarada, como reconheceu a Justiça Federal, a Prefeitura de Palmeira dos Índios fez a compra direta de imóvel dentro dos limites do território indígena em janeiro de 2023.
Em março do mesmo ano, o município alagoano desmembrou o imóvel em 11 lotes, um parque aquático e uma área remanescente. A parte destinada ao parque aquático foi doada a um particular que deu início às obras irregulares, violando o direito de posse dos indígenas. Em nenhum momento a Funai, responsável por orientar e executar a política indigenista, foi comunicada pelo município, bem como não houve consulta aos povos indígenas como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A decisão
Na fundamentação da decisão, a Justiça Federal destaca o texto da Constituição Federal, que reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre os territórios tradicionalmente ocupados. O texto constitucional estabelece que as terras indígenas são destinadas à posse permanente e ao usufruto exclusivo dos povos indígenas. Ainda de acordo com a Constituição, os territórios de ocupação tradicional são inalienáveis, indisponíveis, e os direitos sobre eles imprescritíveis. O texto determina ainda que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras”.
A Justiça cita ainda o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que “a natureza jurídica do procedimento demarcatório é meramente declaratória, consiste na exteriorização da propriedade da União vinculada e afetada à específica função de servir de habitat para a etnia que a ocupe tradicionalmente”.
Ou seja, a demarcação tem como finalidade a proteção e o respeito aos bens de cada povo. No entanto, o direito às terras independe de demarcação, conforme explica o jurista brasileiro Carlos Marés, mencionado na decisão. De acordo com a Suprema Corte, o procedimento “não cria terra indígena, apenas reconhece aquelas que já são, por direito originário, de posse daquela comunidade.”
TI Xukuru-Kariri
Localizada no bioma Caatinga, a Terra Indígena Xukuru-Kariri é o território de ocupação tradicional do povo Xukuru-Kariri. De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 960 indígenas vivem no território. Em 2003, foi constituído o Grupo Técnico de identificação e delimitação da área, que resultou na publicação, em 2008, do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID).
Já em 2010, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MSJP) assinou a portaria declaratória de limites, reconhecendo o trabalho minucioso e técnico da Funai na identificação e delimitação do território. A autarquia indigenista realizou a demarcação física da área em 2013. Agora, o processo demarcatório aguarda a homologação da presidência da República.