Indígenas do povo Akroá-Gamella, da Terra Indígena Taquaritiua, estão em retomada pelo Bem Viver desde o último 28 de agosto. Localizada em Viana, no Maranhão (MA), os indígenas denunciam a invasão de grileiros e a criação de um lixão dentro da TI. O território já foi identificado com área indígenas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas sofre com a morosidade do Estado em dar andamento ao processo de demarcação.
Conforme relato das lideranças indígenas, caminhões caçamba (sem identificação) realizam a coleta do lixo nas cidades próximas a TI Taquaritiua o despejam no território tradicional, poluindo campos, rios e proliferando doenças aos habitantes da Aldeia Tabarelzinho (MA). A denúncia da existência do lixão em atividade é realizada pelo povo há mais de doze anos. Dias após a retomada, uma casa na Aldeia Cajueiro Piraí foi alvo de tiros na noite do domingo, 15 de setembro. Até a publicação desta matéria, não se sabe a origem dos tiros.
A comunidade relata que quando o tiroteio começou estavam sem energia elétrica e que parte ou quase todos os tiros foram direcionados a casa em específico. Projéteis de bala foram encontrados próximo a MA-014, que liga os municípios de Vitória do Mearim e Pinheiro. Os projéteis foram encontrados até mesmo nas camas, onde indígenas dormiam.
Dois dias antes dos disparos, em 13 de setembro, os indígenas receberam áudios de um vereador de Viana que os ameaçou de “surra”. Nos áudios o vereador diz: “se fosse eu, mandava ‘dar uma taca’ naqueles vagabundos. Eles são vagabundos prejudicando a população de Viana inteira. Mandava ‘dar uma taca’ mesmo … o terreno não é deles”.
As aldeias Tabarelzinho e Cajueiro Piraí fazem parte do território que está em processo de delimitação. Além do processo administrativo de demarcação, um procedimento administrativo foi realizado pela Funai, responsável pelo Grupo de Trabalho (GT) que irá conduzir os estudos do território tradicional do povo Akroá Gamella.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão acompanha o caso. O assessor jurídico da instituição, Gabriel Serra, conta que a morosidade jurídica no processo é um dos grandes desafios da demarcação. “O povo Akroá-Gamella há muito vem sofrendo com os avanços do agronegócio, dos crimes de meio ambiente e ações daqueles que não respeitam o direito originário ao território. Contudo, o procedimento administrativo declaratório para identificação e delimitação do território se arrasta desde 2018, sem movimentação eficaz e resultando em maiores violências para o povo e seu território”, explicar Gabriel.
As violências se acentuaram após a retomada do território, que estava sob a posse de não indígenas que afirmavam ter documentos que comprovam serem os donos das terras. Um processo de desapropriação foi ajuizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2006, mesmo assim o território continua sendo ocupado de forma irregular pelos não indígenas. As lideranças relatam que os invasores arrendaram parte da TI, onde o povo realizava coletas e caça, para ampliar o lixão e consequentemente, provocar mais danos ambientais.
Benedito Akroá-Gamella, liderança da aldeia Tabarelzinho, também conhecido como seu Bina, relembra o histórico das violências sofridas pelo povo. Ele afirma que há mais de 30 anos os indígenas lutam pelo seu território e que já enfrentaram múltiplas formas de violência. “Em 1982 foi a primeira derrubada da casa do vizinho, em 1992 a de outro vizinho, e de lá pra cá todo o tempo nos ameaçam. Não podemos tirar uma palha, juntar o coco, tirar juçara, porque eles nos ameaçam. Teve gente que foi surrada e presa por essa luta pelo nosso território. É a luta dos nossos avós, que passou para os pais, que passou para os filhos. Não vamos desistir do que é nosso”.
Os indígenas afirmam que em consequência dos dejetos e do chorume (líquido escuro, viscoso e de cheiro desagradável), proveniente do lixo jogado a céu aberto, os corpos d’água estão contaminados, há excesso de moscas e outros insetos, e as famílias estão adoecendo. Além da ameaça à saúde e à segurança do povo, o lixão também viola seus direitos espirituais: as nascentes contaminadas pelo chorume são parte da encantaria Akroá-Gamella.
O Cimi Regional Maranhão esteve reunido com as lideranças nos dias 3 e 4 de setembro na Aldeia Cajueiro Piraí e ouviu as reivindicações e objetivos da retomada. Os Akroá-Gamella cobram o cumprimento de seus direitos indígenas, assegurados pela Constituição Federal de 1988, e destacam a necessidade da reconstituição do GT. Representantes da Funai haviam confirmado a presença na reunião, mas seus representantes não apareceram.
Rosimeire Diniz, missionária do Cimi Regional Maranhão, contou que a reunião foi importante e produtiva para o fortalecimento da retomada. “Nossa reunião na nova retomada foi importante, e por outro lado, foi muito impactante ver que parte do território sagrado e de habitação do povo está dominado pelo lixão e por uma série de consequências que um lixão pode trazer para a vida das pessoas. Eles estavam ansiosos pela presença da Funai, que não apareceu e não deu satisfação. Mesmo diante da falta, decidimos manter nossa viagem com o povo para mostrar que somos aliados em suas lutas e prestar nossa solidariedade nessa luta contínua pela demarcação de seus territórios.”
Em Brasília, entre os dias 16 a 20 deste mês, lideranças Akroá-Gamella realizaram uma semana de incidências políticas com seus maracás e cantos ancestrais, estiveram na sede da Funai na capital federal, e manifestaram a necessidade da continuidade do processo de identificação, delimitação e demarcação de suas terras. A mística que marcou a manhã do último dia da formação e também contou com a participação de lideranças dos povos Apanjêkra-Canela, Kariú-Kariri e Tremembé.