Numa declaração emitida nesta terça-feira, o relator da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, afirmou que existe uma “grande preocupação” diante do impacto de uma eventual aprovação do marco temporal, no Brasil.
Para ele, sua adoção seria “contrária aos padrões internacionais”. “Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos povos indígenas do Brasil”, defendeu.
O marco temporal limita o reconhecimento das terras ancestrais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
“A doutrina do marco temporal” tem sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da Comunidade Guayaroka dos Povos Indígenas Guarani Kaiowa”, alertou o relator.
“Em diversas ocasiões, foi contestado por órgãos internacionais, povos indígenas e defensores de direitos humanos por desconsiderar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, especialmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas de direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura”, disse.
Segundo ele, o julgamento poderá determinar o curso de mais de 300 casos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. “Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a doutrina mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, disse.
Processo no Poder Legislativo também é criticado
O relator ainda se disse muito preocupado com a adoção, em 30 de maio, pela Câmara dos Deputados do Brasil, do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a doutrina do marco temporal.
“Se a tese do marco temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta”, disse. “É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, exacerbando a situação ao prolongar ainda mais ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expor os Povos Indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças a seus direitos sociais e culturais”, afirmou.
O relator defendeu que qualquer decisão garanta reparações históricas para os povos indígenas e que evite a perpetuação de mais injustiças. “Peço ao Senado brasileiro que rejeite o projeto de lei pendente”, apelou o representante da ONU.
Ele ainda fez pedido para que o governo do Brasil tome “todas as medidas para proteger os povos indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos”.