Você não precisa de GPS para encontrar a terra natal do morador mais famoso da Amazônia, o cacique brasileiro Raoni Metuktire.
Ao se aproximar de sua terra indígena Capoto/Jarina, no estado do Mato Grosso, grandes fazendas de monocultura de soja ou milho dão lugar a uma floresta tropical exuberante e verdejante.
Este é o epicentro de uma batalha de meio século liderada pelo ativista itinerante contra garimpeiros e madeireiros ilegais que desmatam a maior floresta tropical do mundo.
Instantaneamente reconhecível por sua placa labial de madeira e cocar de penas, a data de nascimento de Raoni é desconhecida, mas acredita-se que ele tenha cerca de 90 anos.
Há três décadas, ele viajou o mundo com o ativista e astro do rock britânico Sting para pressionar pelos direitos indígenas.
Sua aldeia natal, Metuktire, nomeada em homenagem ao seu clã pertencente ao povo Kayapó, é acessível principalmente por barco pelo Rio Xingu, um afluente do Amazonas.
O formidável cacique viveu a maior parte de sua vida em uma das cabanas de palha e madeira dispostas em um amplo círculo ao redor de uma clareira na floresta.
Ele agora reside principalmente na cidade vizinha de Peixoto de Azevedo por motivos de saúde, mas retornará à sua terra natal na sexta-feira para receber o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Raoni disse à AFP em entrevista antes da visita que pressionaria Lula a interromper os planos de um megaprojeto de petróleo na foz do Rio Amazonas e exigiria que a comunidade obtivesse a custódia de uma fatia maior de floresta.
“Não permito garimpeiros ilegais ou traficantes de madeira em nossas terras”, disse o cacique enfaticamente à AFP.
A comunidade de 1.600 habitantes de Raoni tem uma abordagem dupla para defender sua terra ancestral: realizar patrulhas contra invasores e ensinar os jovens indígenas a resistir à tentação de enriquecer rapidamente à custa da destruição da floresta tropical.
Apenas 0,15% do território Capoto/Jarina, que ocupa uma área quatro vezes maior que a metrópole de São Paulo, foi afetado pelo desmatamento, segundo estatísticas oficiais.
‘Esta terra é nossa’
A designação de terras como território indígena — onde o desmatamento é crime — provou ser eficaz para conter o ataque feroz da mineração e agricultura ilegais.
Territórios indígenas perderam menos de 2% de suas espécies vegetais nativas desde 2008, em comparação com 30% em terras não indígenas, de acordo com o Instituto Socioambiental, uma ONG brasileira.
Mas, para que a terra de seu clã fosse reconhecida como território indígena pelo estado, Raoni teve que recorrer a medidas desesperadas.
A mídia brasileira relatou como, em 1984, ele e seu sobrinho sequestraram uma balsa, fazendo reféns funcionários da ditadura militar então no poder.
Quarenta dias depois, o estado cedeu.
“Garimpeiros e brancos queriam ocupar nossas terras, mas lutamos até expulsá-los para sempre”, disse à AFP Beptok Metuktire, outro líder da comunidade, onde a maioria usa o nome do clã como sobrenome.
“Mostramos a eles que este território é nosso”, acrescentou o homem de 67 anos na língua Kayapó da comunidade.
22.000 campos de futebol
As terras indígenas, no entanto, estão sob ataque, com milhares de hectares de vegetação nativa sendo despojados todos os anos.
Perto da terra Capoto/Jarina, em uma área habitada por outros grupos do povo Kayapó de Raoni, a selva verde-esmeralda é marcada por enormes crateras marrons e poças de água salobra — marcas registradas da mineração ilegal de ouro.
A AFP viu dezenas de escavadeiras hidráulicas operadas por trabalhadores acampados no local durante um voo organizado pela ONG ambientalista Greenpeace.
A terra Kayapó perdeu o equivalente a 22.000 campos de futebol de floresta para a mineração ilegal de ouro, de acordo com o Greenpeace, que observa a crescente presença de grupos do crime organizado como o Comando Vermelho, uma das maiores quadrilhas do Brasil, na região.
“Pessoas brancas persuadem algumas lideranças indígenas a minerar ouro, o que leva a disputas e até assassinatos entre famílias”, disse Roiti Metuktire, coordenadora de proteção territorial do Instituto Raoni, que defende os direitos indígenas.
“Mudar isso é difícil porque as pessoas se acostumaram com o dinheiro do crime e, como a terra já foi degradada, elas não têm o que comer”, disse ele.
‘Fim do nosso mundo’
Embora a terra natal de Raoni tenha conseguido até agora evitar as piores ameaças, uma se aproxima mais do que nunca: os incêndios florestais.
A Amazônia brasileira foi devastada por impressionantes 140.000 incêndios no ano passado — muitos deles começaram a desmatar terras para criação de gado ou plantações.
Um incêndio em Capoto/Jarina destruiu plantações e plantas medicinais, disse o líder comunitário Pekan Metuktire.
“Quando eu era jovem, o clima nesta aldeia era normal. Mas agora o sol queima, a terra seca e os rios transbordam. Se isso continuar, é o fim do nosso mundo”, acrescentou.
A comunidade espera que a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que Lula sediará na cidade amazônica de Belém, em novembro, ajude a deter a destruição.
Ngreikueti Metuktire, uma mulher de 36 anos, encarando a árdua tarefa que aguarda o líder brasileiro, antes de partir para a roça para colher mandioca. “Precisamos que Lula fale ao mundo para garantir o futuro dos nossos netos”.