O monitoramento das ameaças que os povos tradicionais isolados enfrentam na Amazônia brasileira está prestes a se tornar mais fácil para ativistas e agências de direitos indígenas, graças a uma nova ferramenta de software desenvolvida por três organizações indígenas e disponibilizada on-line em setembro.
O Mopi é um mapa on-line interativo que reúne bancos de dados públicos, estatísticas governamentais e observações de campo e os consolida em um único espaço, fornecendo uma visão abrangente das terras dos povos indígenas isolados e dos fatores que ameaçam sua saúde e bem-estar. Sua localização é deliberadamente deslocada para evitar a identificação exata de seus territórios e quaisquer ataques subsequentes contra eles.
A plataforma ficou fora do ar logo após sua inauguração inicial, em 15 de agosto, devido a problemas técnicos, mas as operações foram retomadas em setembro. A data oficial de lançamento coincidiu com o que teria sido o 42º aniversário de Bruno Pereira, o defensor dos direitos indígenas que foi assassinado em junho de 2022 no Vale do Javari, na Amazônia, ao lado do jornalista britânico Dom Phillips.
Pereira, que foi o fundador do Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), foi um dos criadores do Mopi quando a ideia foi inicialmente concebida. As outras organizações envolvidas no lançamento do Mopi são a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Operação Amazônia Nativa (Opan).
O mapa exibe os dados de propriedade de terra em toda a Floresta Amazônica, incluindo atualizações sobre os processos de demarcação de Terras Indígenas e a presença de Unidades de Conservação e propriedades rurais registradas. Também identifica os principais empreendimentos construídos, incluindo usinas hidrelétricas e operações de mineração, bem como áreas de desmatamento, degradação florestal e atividades ilegais, como caça, mineração e tráfico de drogas. Além disso, registra ações de proteção e vigilância em todo o bioma e atualizações de saúde de cada comunidade usando informações do Ministério da Saúde.
Elias dos Santos Bigio, defensor dos direitos indígenas e ex-coordenador da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), disse que a ferramenta pode ser útil para que a Funai realize atividades de vigilância e proteção mais eficientes, especialmente porque o órgão continua a ter pessoal e recursos limitados. “Essas parcerias [com organizações indígenas] são bem-vindas”, disse ele à Mongabay. “São pessoas que também são movidas pelo propósito de defender os direitos indígenas.”
Roberto Ossak, coordenador da Comissão Pastoral da Terra, afiliada à Igreja Católica, disse à Mongabay que acredita que a plataforma é “uma boa ferramenta”, mas “é muito difícil ter dados concretos sobre a saúde e o bem-estar dos [povos] indígenas não contatados na floresta”, devido ao acesso limitado a seus territórios. Ele disse que uma repressão federal mais forte aos crimes ambientais é a melhor maneira de proteger essas comunidades. “O que realmente salva os povos isolados é a proteção territorial, quando ninguém tem permissão para entrar”, disse ele.
Existem 114 comunidades indígenas isoladas reconhecidas pelo Governo Federal na Amazônia, e há mais uma cujo reconhecimento está pendente, embora especialistas suspeitem que o número de grupos isolados possa ser significativamente maior do que o registro oficial. O Vale do Javari abriga o maior número do mundo de povos isolados: são ao menos 19 grupos, que estão sob constante ameaça da escalada do crime organizado na região.
As comunidades indígenas isoladas dependem exclusivamente da caça, da pesca e da coleta em seus territórios, que muitas vezes são invadidos por atividades ilegais. Isso pode afetar as condições ambientais de suas terras, bem como aumentar a exposição a doenças, colocando estas comunidades sob risco de morte. Em Rondônia, por exemplo, o último membro remanescente do povo Tanaru – conhecido como “Índio do Buraco” – morreu em 2022 depois que toda a sua tribo foi dizimada na década de 1990, deixando-o na solidão por quase três décadas.
Os desenvolvedores da plataforma Mopi estão planejando usar o mapa para gerar um índice de vulnerabilidade de todos os povos indígenas não contatados, classificando-os de acordo com a gravidade das ameaças que enfrentam. Eles esperam que isso possa ajudar a moldar melhores políticas públicas para proteger essas comunidades.
“Podemos publicar periodicamente uma classificação das populações mais vulneráveis”, disse Ribeiro. “Com base em um conjunto de dados concretos, o índice de vulnerabilidade refletirá o que está acontecendo nessas terras e chamará a atenção das autoridades.”