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‘Nhenhenhe’, cutucar, capivara: conheça palavras de origem indígena usadas na língua portuguesa

Indígena na terra Xikrin do Cateté, no Pará — Foto: Elienai Araújo/Prefeitura de Parauapebas

Saruê, caju, cajá, ‘Nhenhenhe’, cuia e capivara são exemplos de palavras usadas na língua portuguesa a partir das línguas dos povos originários. De acordo com Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, linguista de línguas indígenas e professora da Universidade de Brasília (UnB), essa influência no português começou na época da colonização do Brasil.

“Tanto os portugueses, como os franceses e holandeses tiveram que aprender essas línguas, pois, naturalmente, os colonizadores eram minoria e os indígenas maioria”, fala Ana Suelly.

Em 1993, o linguista Aryon Dall’Igna Rodrigues estimou que cerca de 1.2 mil línguas eram faladas no ano de 1500. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), atualmente o Brasil tem, em média, 250 línguas.

Da língua originária à língua portuguesa

A professora Ana Suelly listou algumas das palavras usadas na língua portuguesa que surgiram do Tupinambá, que acabou sendo a língua mais usada pelos colonizadores e pela igreja para se comunicar com os indígenas (saiba mais sobre a colonização abaixo).

Verbos (ações):

Cutucar
“Nhenhenhe”

Mamíferos (classe de animais):

Capivara
Cutia
Paca
Saruê
Mucura
Guariba

Plantas

Mandioca
Caju
Cajá
Seriguela
Ingá
Jenipapo

Objetos

Maraca
Cuia

A importância de preservar as línguas dos povos originários

O pesquisador Joaquim Maná, do povo Huni kuī da região do Acre, falante da língua hãtxa kuī, lembra da importância dos povos se organizarem para ensinar sua língua, principalmente para a geração mais nova. Segundo ele, alguns povos originários trabalham para atualizar dados sobre as línguas faladas no Brasil do século 21.

Wary Kamaiura Sabino, professor e linguista, da etnia Kamaiurá, é falante das línguas Kamaiurá e Aweti, do território indígena do Xingu em Mato Grosso. Ele destaca que as línguas indígenas são mais “fortes” nas aldeias tradicionais, onde o povo não tem tanto contato constante com não indígenas.

“[É preciso] debater o tema em sala de aula, envolver toda comunidade. Liderança, caciques, anciã e anciãos, porque a língua e a cultura andam juntas e são identidades da etnia”, diz Wary.

Iram Kavsona Gavião, da etnia Ikóléhj Gavião e falante da língua dos Ikóléhj, é da Aldeia Ikóléhj, localizada na Terra Indígena Igarapé Lourdes em Rondônia. Ele diz que assegurar os direitos dos povos é essencial para proteger as línguas.

“Desde o início da invasão do seu território, os povos indígenas sofreram um abalo na sua estruturas organizacional, principalmente nos espaços que são a base essencial para manutenção de suas identidades, como as línguas, culturas e suas histórias”, diz Iram.

A colonização

Desembarque dos portugueses em Porto Seguro. — Foto: Reprodução/Obra de Oscar Pereira da Silva, de 1904.

A pesquisadora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral conta que quando os europeus chegaram ao Brasil, se concentraram na costa do território e passaram por regiões habitadas por indígenas falantes de duas línguas próximas, o Tupí Antigo e o Tupinambá. Por serem minoria, os europeus tiveram que aprender as línguas faladas na região.

No século XVII, o Tupinambá acabou sendo usado pela igreja e também pelos colonizadores, como nas missões jesuíticas, que tinha o objetivo de catequizar os povos.

“A língua dos Tupinambá foi se modificando quando deixou de ser falada nas aldeias, sendo usada como língua geral de índios e não índios, dando origem a uma outra língua, a língua Geral Amazônica”, diz Ana Suelly.

A professora conta que essa língua geral passou a ser chamada de Nheengatú e, mais modernamente, de Ingatú. Ana Suelly também destaca que muitas outras línguas indígenas, no decorrer da história, influenciaram o português, como a Bororo.

Línguas do Brasil

Entre os desafios apontados pela professora Ana Suelly para proteger as línguas estão:

  • Incrementar os currículos das escolas de cidades para onde migram os indígenas, de forma que contemplem as diferentes línguas e culturas;
  • Criar programas de tradução para as línguas indígenas;
  • Garantir a demarcação e/ou monitoramento das terras indígenas;

 

A professora explica que línguas como a Kaingáng e a Tikúna possuem população de falantes acima de 40 mil, “mas há línguas de povos que foram vítimas de extermínio e que só restaram poucos indivíduos”.

Segundo a pesquisadora, atualmente só restam três mulheres do povo Akuntsú, restam três adultos e uma criança dos Kanoé, e restam três adultos e, possivelmente, outros membros do grupo ainda sem contato, do povo Piripkura.

Traduções recentes

Em 2022, indígenas celebraram o Dia da Amazônia com a gravação do Hino Nacional em línguas nativas (veja vídeo acima). No ano seguinte, a Constituição ganhou a primeira tradução oficial em uma língua indígena, a Nheengatu – tipo de língua geral amazônica.

O Nheengatu tem origem no tronco linguístico do tupi, com algumas influências do português.

Aprenda Nheengatu

O “Nheengatu App” é o primeiro aplicativo voltado para o ensino de um idioma indígena brasileiro.

Depois de baixar a ferramenta, o usuário tem acesso a vários exercícios com imagens, para aprender diferentes palavras e frases (veja vídeo acima). Os áudios dos exercícios são feitos por George Borari, professor de Nheengatu da Escola Indígena Borari de Alter do Chão, no Baixo Tapajós.

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