MANAUS (AM) – A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou, na tarde desta terça-feira, 3, a decisão que reconheceu a competência da Justiça Federal para conduzir o processo criminal que apura a morte de três pessoas no interior da Terra Indígena Parakanã, no município de Novo Repartimento (PA), em abril de 2022. Por unanimidade, o colegiado também corroborou a anulação de todas as determinações da Justiça Estadual no caso, inclusive a decretação de prisão preventiva de seis indígenas por suposto envolvimento nos crimes.
A competência federal e a anulação da prisão preventiva dos indígenas haviam sido determinadas em junho pela ministra Daniela Teixeira, relatora do Habeas Corpus (HC) 921.723/PA no STJ. Ao rejeitar recursos (agravos regimentais) contra a decisão monocrática, a Quinta Turma seguiu o entendimento do MPF, que apontou a ocorrência de crimes federais conexos (caça ilegal e porte de arma de fogo dentro de território demarcado) e a relação entre indígenas e não indígenas nas dimensões históricas, antropológicas e jurídicas como pano de fundo para os crimes.
Em abril de 2022, três homens que estavam caçando de forma ilegal com armas de fogo dentro da Terra Indígena Parakanã foram mortos. Os crimes passaram a ser investigados pela Polícia Federal e pelo MPF, que determinou o arquivamento de inquérito sem oferecimento de denúncia, uma vez que não havia indícios concretos de autoria ou da participação de indígenas nos assassinatos. A Justiça Federal remeteu o processo para a Justiça Estadual, que recebeu denúncia apresentada pelo MP/PA contra seis indígenas por homicídio qualificado e ocultação de cadáver e, em abril de 2023, determinou a prisão preventiva. Após recurso do MPF, o caso passou a ser analisado pelo STJ.
Em contrarrazões apresentadas nos agravos, o Ministério Público Federal enfatizou que a remessa do processo para a Justiça Estadual desconsidera o fato de que os homicídios estão conexos a dois crimes federais antecedentes: caça ilegal dentro de Terra Indígena (art. 29 da Lei nº 9.605/98 c/c art. 18, § 1º, a Lei nº 6.001/73) e porte ilegal de arma de fogo dentro da TI. Essas duas condutas, além de atentarem contra bem da União, têm impacto nos direitos do povo Parakanã sobre suas terras de ocupação tradicional, o que reforça a competência da Justiça Federal para processar o caso. E, como as decisões de receber a denúncia e decretar a prisão preventiva dos seis indígenas foram tomadas por juízo incompetente, elas são nulas, como confirmou o STJ.
O MPF apontou ainda uma série problemas na denúncia apresentada pelo MP/PA contra os indígenas. No processo, não há nenhuma testemunha direta e segura sobre a autoria dos fatos. Prova pericial anexa aos autos não foi capaz de correlacionar a morte das três vítimas à conduta dos indígenas indiciados. “A imputação genérica descrita na denúncia decorre da falta de provas mínimas e suficientes; os mencionados indícios são genéricos e frágeis; as provas testemunhas são apenas por ‘ouvir dizer’ (indiretas)”, explica a manifestação.
Segundo o MPF, os crimes estão permeados por um complexo contexto de relações entre os Parakanã e a sociedade envolvente. Seria necessário, por exemplo, fazer a escuta qualificada da comunidade para elucidar completamente o caso, “de onde poderia haver a adequada compreensão quanto à maneira com que três caçadores armados foram recebidos na comunidade e o impacto do cometimento deste crime ambiental e de posse ilegal de arma”.
O MPF apontou ainda que as prisões dos seis indígenas afetaram o povo como um todo. O fato gerou hostilidade e insegurança contra a comunidade, colocando seus membros sob risco de justiçamento – punição por meios ilegais.
Ao acatar os argumentos e rejeitar os embargos, a Quinta Turma confirmou o envio do caso para a Vara Federal Cível e Criminal de Tucuruí (PA), que deverá conduzir o processo.
(*) Com informações de Assessoria