O Governo do Ceará realizou nesta terça-feira, 8, a instalação dos marcos de demarcação física da Terra Indígena Pitaguary, localizada entre os municípios de Maracanaú e Pacatuba. A demarcação assegura que, legalmente, o território pertence aos Pitaguary e o protege legalmente contra posseiros. Essa é a terceira das quatro terras indígenas cearenses contempladas pelo Acordo de Cooperação Técnica, assinado em novembro de 2023.
O Acordo foi assinado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), pelo Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace) e Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepince).
Na manhã desta terça-feira, 8, os Pitaguarys de todas as idades se reuniram na Aldeia Santo Antônio, em Maracanaú, para a cerimônia de instalação dos marcos, que são estruturas feitas de cimento e devem ser fixadas no chão a cada 500 metros, delimitando o território.
O evento contou com a presença de lideranças indígenas, bem como autoridades estaduais e federais. Nascida na terra, uma das presentes foi a secretária Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ceiça Pitaguary. Ela explica que a luta política pela reorganização do território começou em 1991, há mais de 30 anos.
“Já passamos por uma primeira demarcação em 2007, mas, infelizmente, tivemos uma decisão judicial que retirou 300 hectares da área demarcada. Foi proposta uma nova demarcação física, que demorou muito. Isso acabou sendo positivo, porque conseguimos reverter a decisão. Agora, reafirmamos o primeiro desenho da nossa terra”, explica a secretária.
Ao todo, a terra Pitaguary tem 1.735 hectares. Para que a demarcação física de um território indígena seja executada, antes são necessários diversos procedimentos que atestem a propriedade do terreno.
“São realizados uma série de estudos antropológicos dessas áreas. Quando é confirmado que é uma terra indígena, então começamos a demarcação física”, explica João Alfredo, superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), que realiza a demarcação no campo.
A instalação dos marcos, que muitas vezes acontece em áreas de mata fechada e de difícil acesso, começou em 28 de julho. No caso do povo Pitaguary, vários desses pontos estão localizados em regiões de serra.
Após essa etapa, a Presidência da República deve assinar a homologação, reconhecendo oficialmente o território como propriedade do povo Pitaguary. A partir daí, nenhuma terra pode ser vendida e, além dos nascidos na etnia, apenas pessoas casadas com os indígenas Pitaguary podem morar dentro do território.
Além da Aldeia Santo Antônio, o evento reuniu indígenas de outras três aldeias que compõem a etnia Pitaguary: Olho D’Água, Horto e Munguba, no município de Pacatuba. Ao todo, a etnia conta com quase cinco mil indígenas. A principal forma de economia é a agricultura familiar, além da atuação profissional em equipamentos no próprio território, como escolas e postos de saúde.
No local, além do último marco, também foi fincada uma placa que sinaliza que a terra é território indígena, proibindo a entrada de estranhos. Em seguida, os indígenas e representantes seguiram em caminhada até a Mangueira Centenária, onde foi realizado um ritual.
As terras indígenas, além de serem espiritualmente ricas para os povos, em muitas ocasiões são cobiçadas por setores empresariais para exploração econômica. Sem a demarcação, as terras ficam vulneráveis à ocupação ou venda indevida.
Foi o caso das aldeias Pitaguary. A Cacique Madalena Pitaguary, que atua como liderança há quase 30 anos na etnia, relembra de um episódio marcante e triste da sua vida e guerra em prol de seu povo.
“Em 2015, quando eu fui construir minha casa, que já estava no ponto de cobrir, esses posseiros a derrubaram. Eu fui praticamente expulsa. Foi um desespero para nós. Mas nós tínhamos a certeza que a terra era nossa. Essa vitória é em nome de todos os guerreiros de lutas”, disse a líder, com a fala embargada e lágrimas nos olhos.
Na entrada do território, agora protegido, marcas de balas no portão de metal também atestam os momentos de batalha pela segurança das terras.
Dos quatro territórios indígenas previstos no Acordo de Cooperação Técnica, também já foram demarcados a terra indígenas Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, e Tremembé de Queimadas, em Acaraú. Resta apenas o do povo indígena Tapeba, localizado no município de Caucaia. O processo está previsto para ocorrer a partir do próximo mês de novembro.
Mais cinco territórios indígenas do Ceará podem ser demarcados
O estado do Ceará abriga 20 povos indígenas oficialmente reconhecidos, com mais de 56 mil indígenas em 20 municípios. São eles:
Anacé (Caucaia e São Gonçalo do Amarante)
Cariri (Crateús e Crato)
Gavião (Monsenhor Tabosa)
Jenipapo-Kanindé (Aquiraz)
Kalabaça (Crateús, Poranga, Ipaporanga e Ararendá)
Kanindé (Aratuba e Canindé)
Kariri (Crateús e Crato)
Kariri-Quixelô (Iguatu)
Karão (Palmácia e Aratuba)
Paiacu (Beberibe)
Pitaguary (Maracanaú e Pacatuba)
Potiguara (Crateús, Monsenhor Tabosa, Tamboril e Novo Oriente)
Quixará-Tapuia (Quixeramobim)
Tapeba (Caucaia)
Tabajara (Serra de Ibiapaba)
Tapuia-Kariri (São Benedito)
Tremembé (Itarema, Acaraú e Itapipoca)
Tubiba-Tapuia (Monsenhor Tabosa)
Tupinambá (Crateús)
Warão (Povo indígena venezulano que imigrou ao Ceará, principalmente em Fortaleza)
A demarcação física, homologação e desintrusão (retirada de intrusos) são processos essenciais para garantir que os povos indígenas possam permanecer em suas terras com segurança, assegurando o futuro de suas próximas gerações e a continuidade de suas tradições e cultura.
Questionada sobre a demarcação de outras terras indígenas no Ceará, a secretária estadual dos Povos Indígenas, Juliana Alves (Cacika Irê, do povo Jenipapo-Kanindé), explicou que outros cinco territórios estão aguardando o início do processo de identificação: Aldeia Gameleira (São Benedito); Aldeia Cajueiro (Poranga); Aldeia Japuara (Caucaia) Aldeia Lagoinha (Novo Oriente); Aldeia Balança e Sítio Fernandes (Aratuba).
“Ainda não temos uma data específica para o início desse processo, mas já estamos trabalhando com as questões jurídicas e financeiras. Há processos que dependem exclusivamente do Governo Federal. Estamos em diálogo, para avançarmos na criação de grupos técnicos que possam fazer o estudo antropológico dessas áreas”, declarou a secretária.