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Acusado de matar Ari Uru-Eu-Wau-Wau é condenado a 18 anos de prisão

Líder indígena foi morto em abril de 2020, de forma brutal. Ari Uru-Eu-Wau-Wau fazia parte dos Guardiões da Floresta. Acusado é dono de bar por onde liderança passou antes de ser espancado e assassinado (Print de tela do Canal do TJRO no YouTube).

Manaus (AM) – O Tribunal do Júri de Rondônia condenou nesta segunda-feira (15) o comerciante João Carlos da Silva, também conhecido como Guiga, acusado pelo brutal assassinato do professor e líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, em abril de 2020. O julgamento ocorreu no município de Jaru e o réu tem direito a recorrer. Ele foi condenado a 18 anos de prisão por homicídio qualificado, em regime inicial fechado.

Ari morava na aldeia 621 Jaikara, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, e era conhecido por ser parte da equipe de vigilantes Guardiões da Floresta, que protege o território indígena e combate invasões de madeireiros e grileiros. O líder indígena foi encontrado morto na margem esquerda da estrada estadual RO 010, km 12, no distrito de Tarilândia. O corpo tinha sinais de espancamento na cabeça e no pescoço.

A denúncia oferecida pelo Ministério Público de Rondônia afirma que o assassino usou dois instrumentos para matar Ari, um contundente e um pérfuro-cortante. Na noite de 17 de abril, o líder indígena passou no bar do denunciado e João Carlos ofereceu bebida para a vítima que, inconsciente, foi brutalmente assassinada.

O documento diz ainda que o denunciado arrastou o corpo de Ari, possivelmente em uma moto com “carretinha”, e levou o veículo para outro local, com o objetivo de atrapalhar a investigação. No local, ele deixou o corpo de Ari de um lado e a motocicleta do outro.

A partir dos elementos colhidos no inquérito policial, o MP concluiu que houve a participação de uma terceira pessoa. Contudo, não foi possível comprovar a autoria.

Como relatou a agência Amazônia Real na ocasião do crime, inicialmente a Polícia Civil colocou dúvidas se a morte havia sido por homicídio. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) constou como “indefinido [sic] a consequência do óbito do indígena”. Os Uru-Eu-Wau-Wau rebateram a suspeita desde o começo afirmando que Ari havia sido assassinado.

Boroap Uru-Eu-Wau-Wu, viúva de Ari, relatou em entrevista à Amazônia Real que na época do crime ninguém queria contar a ela sobre o ocorrido. “Fui para uma aldeia nova e sofri bastante na época”, lembra.

O assassino de Ari é acusado por outro crime de homicídio, que aconteceu em 2021. O caso do crime contra o líder indígena chegou a ser tratado em âmbito federal. Em agosto de 2022, a Polícia Federal concluiu as investigações e apontou que a morte do ativista “não tem ligação com crimes ambientais”. Segundo a PF, Ari foi morto porque o suspeito estaria incomodado com a presença dele na região.

O julgamento do réu João Carlos da Silva foi transmitido ao vivo através do site do Tribunal de Justiça de Rondônia. A primeira etapa foi reservada aos depoimentos das cinco testemunhas de acusação, incluindo Mandei Uru-Eu-Wau-Wau e Tejubi Uru-Eu-Wau-Wau, sobrinha de Ari. Também foi ouvida uma testemunha de defesa.

Ramires Andrade de Jesus, assistente da acusação, afirmou que não há dúvidas sobre quem cometeu o crime. “Pelo que nós vimos aqui, eventualmente, isso já está confirmado”, disse.

Acusado nega o crime

Julgamento do réu João Carlos da Silva, também conhecido como Guiga, acusado de matar Ari Uru-Eu-Wau-Wau em 2020 (Foto: Luciana Oliveira).

Os debates entre acusação e defesa abalaram os indígenas presentes no julgamento, sobretudo quando fotos do corpo no laudo pericial foram apresentadas. Uma parte deles deixou o plenário. Em depoimento emocionado, a irmã de Ari, Mandeí Uru-Eu-Wau-Wau, relembrou sua personalidade gentil e corajosa.

“Eu fico sem entender até hoje por que foi tirada a vida dele daquele jeito. Ele era um menino bom que sempre defendeu nosso território e sempre lutou”, disse.

Na denúncia do Ministério Público, Mandeí Uru-Eu-Wau-Wau foi ouvida em juízo como informante. Ela disse que suspeita que seu irmão tenha sido morto porque era defensor das terras indígenas e que João Carlos Silva o matou a mando de uma terceira pessoa. Mandeí ainda contou que Ari frequentava o bar do Guiga, mas só nos finais de semana.

O réu, assistido pela Defensoria Pública de Rondônia, negou ter matado a liderança indígena. João Carlos Silva afirmou em depoimento que “falaram por aí” que Ari havia sido assassinado por invasores do território Uru-Eu-Wau-Wau, mas não citou nomes.

O promotor Roosevelt Queiroz, representante do Ministério Público, apresentou provas testemunhais e de escutas telefônicas autorizadas com diálogos entre a mãe e o irmão do acusado. Ele destacou a vida pregressa do réu, que inclui outras investigações por homicídios e violência doméstica, além da condenação pelo assassinato do cunhado em 2021.

A defensora pública Danilla Neves, que acompanhou o réu, apontou a falta de provas e criticou a investigação do crime. Para ela, o que consta nos autos não são provas suficientes para uma condenação.

Com intensa campanha nas ruas e nas redes sociais, os indígenas exigiram a condenação do réu e perguntaram: quem mandou matar ARI?

Para Ivaneide Bandeira, a Neidinha, fundadora da Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental, a expectativa era que o assassino fosse condenado à pena máxima. Ela acompanhou o julgamento.

“O Ari era um defensor da floresta, era um guardião da floresta”, declarou.

Legado do guardião

A morte de Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi um dos episódios mais marcantes do premiado documentário “O Território”, vencedor do Emmy 2023. Coproduzido pelos indígenas e com produção executiva da jovem liderança Txai Suruí, o filme retrata a luta contra o desmatamento na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.

A liderança indígena também se tornou inspiração para arte de rua que representa sua resistência. Em janeiro de 2023, uma pintura de 600 m², exposta no centro de São Paulo, homenageou Ari Uru-Eu-Wau-Wau. Terra e cinzas de queimada da Amazônia foram matérias-primas para fabricação das tintas utilizadas pelo artivista e grafiteiro Mundano. (Colaborou Luciana Oliveira, de Rondônia)

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