A trajetória de mulheres indígenas em papéis de liderança em Mato Grosso ainda passa por diferentes desafios, entre eles a violência, ameaças e machismo. Para a jovem líder Nallionay Kanela, de 30 anos, a representatividade na comunidade sofre com as ameaças na região, enquanto para Watatakalu Yawalapiti, líder do Movimento das Mulheres Indígenas do Território do Xingu (MMTIX), a violência física e de gênero ainda é uma presença constante no território.
Nallionay Kanela contou ao g1 que exercer o papel de liderança na comunidade tem sido difícil por causa do aumento da violência e de ameaças. Isso ocorre porque o povo Kanela, que vive em Confresa, 1.160 km de Cuiabá, não tem o território demarcado e, constantemente, está em conflito com fazendeiros da região.
“A realidade do meu povo é bem difícil porque a gente vive em um território que não foi demarcado e sofremos com as queimadas, desmatamentos ilegais e ameaças da oligarquia rural”, contou.
Além de ser formada em direito e ter uma filha, Nay — como prefere ser chamada – disse que também ajuda os parentes com questões legais sobre demarcação de terras e direitos cidadãos.
Em relação ao machismo na comunidade, Nay descartou a hipótese e assegurou que os homens indígenas estão unidos com elas nessa luta por respeito.
“Na minha aldeia as mulheres não têm dificuldade em representar. Essa questão do machismo ficou bem atrás, porque hoje as mulheres estão à frente, estão firmes na luta e estão juntas com os homens. A mulher está em todos os lugares e a gente mostra nossa importância com resultados”, afirmou.
No país, os registros de assassinatos contra indígenas cresceram desde 2014, segundo o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). De 2015 a 2018, a média foi de 125 assassinatos por ano. Já de 2019 a 2022, foi de 199 mortes. O pico foi 216, em 2020.
Em Mato Grosso, a violência atinge o povo de Nay. Segundo o relatório, Eliseu Santos Cardoso, do povo Kanela, com 44 anos, foi encontrado morto com ferimentos de faca no pescoço e abdômen próximo ao ginásio municipal da cidade. A vítima usava uma camisa com desenhos indígenas e com o nome da aldeia Nova Pukanu. Nenhum aparelho foi roubado dele. O caso ocorreu na madrugada do dia 3 de fevereiro do ano passado.
O Cimi apontou que as invasões contra o povo Kanela, que vivem na região do Araguaia, dividida pelo Rio Tapirapé, aumentaram desde novembro de 2021. Uma forma de contra atacar situações de violência, segundo Nay, tem sido o uso das redes sociais.
“A gente via a necessidade de denunciar e mostrar o que a gente passava, ou mesmo apresentar nossa cultura, mesmo assim tem gente nas redes sociais que diz que não conhecia nossa tradição indígena. A gente tenta utilizar a rede social como aliada para que possamos demarcar também esse território”, afirmou.
Violência de gênero
A violência física e de gênero que cerca a sociedade, em geral, também atinge as mulheres indígenas, sobretudo aquelas que não têm medo de mostrar a sua voz e abrir espaço na liderança das comunidades em que vivem.
Ser ouvida e respeitada foi o que levou Watatakalu Yawalapiti a formar o Movimento das Mulheres Indígenas do Território do Xingu (MMTIX). Atualmente, ela atua como coordenadora do movimento e contou ao g1 que, nessa trajetória, enfrentou diversas situações de ameaças.
“Não é fácil estar à frente de um movimento desse. Mas a gente precisava organizar um movimento das mulheres do Xingu porque tinha gente falando por nós. Tinha pessoas que levavam nossas histórias totalmente distorcidas. Nós nascemos lideranças, nós não somos eleitas ou escolhidas depois de adultas, nós nascemos para isso. As filhas mais velhas das lideranças são escolhidas a partir do momento em que nascem”, afirmou.
O movimento agrega mulheres de 16 etnias do território do Alto Xingu. Segundo ela, um dos desafios que tornam o trabalho mais difícil é a desigualdade de gênero.
“Tem muito machismo. É muito forte. Nós usamos esses espaços que nós temos para fortalecer as outras mulheres do nosso povo. Tem todos os desafios, nós somos atacadas o tempo todo”, disse.
Watatakalu contou que, quando o movimento se posicionou contra a pesca esportiva nos rios, as integrantes do grupo foram atacadas. Uma das consequências dessa ação resultou na escassez de alimentos, além da violência que a presença de alguns homens brancos causa na comunidade.
“As mulheres são expostas, porque os pescadores não-indígenas têm pensamento diferente. São homens brancos que querem explorar nossos peixes e nossas mulheres. Nós somos violentadas o tempo todo e expostas, nossas crianças também. Muitas vezes isso não é entendido. Nós ficamos constrangidas quando um homem branco filma ela e tira foto. Algumas não sabem se defender”, contou.
Contudo, a líder indígena espera que, no futuro, as próximas gerações continuem com o trabalho que ela vem desempenhando.
“As mulheres estarão mais fortalecidas. Antes, a gente não podia participar dos encontros, a gente não conhecia umas às outras. Hoje, nós conhecemos as lideranças a nível nacional e nós nos respeitamos. Lá na frente não tem que ter uma mulher, mas sim todas as mulheres de cada povo, juntas, porque não tem como a gente representar todos os povos indígenas. Nós somos 305 povos, é como se tivesse 305 países dentro de um território. Assim vejo nossas filhas ocupando esses espaços”, disse.