Com mais de meio século de luta e resistência dos povos originários do Brasil, a Tejo haw Maraka’nã (Aldeia Maracanã) “reexiste” onde funcionou o antigo Museu do Índio em uma área ao lado do Estádio do Maracanã, na Zona Norte do Rio. As mais de 15 etnias que vivem na comunidade consideram que “as precárias condições em que vivem são símbolo dos maus tratos à cultura indígena no Rio de Janeiro”. O governo estadual, no entanto, afirma que o espaço é ocupado irregularmente e que, desde 2016, teve decisão judicial favorável à posse do imóvel. Segundo a Defesa Civil Municipal, a última vistoria do prédio, onde era localizado o antigo museu, foi em 11 de agosto de 2023 e, o prédio desativado, está em péssimo estado de conservação.
Com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, pelo Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, foi estabelecido que naquele espaço, na rua Mata Machado, no bairro Maracanã, teria um museu em homenagem aos primeiros ocupantes do território brasileiro. Em 1953, com o etnólogo Darcy Ribeiro chefiando a Seção de Estudos do SPI, o prédio, considerado como uma inovação da técnica museográfica, foi inaugurado em 19 de abril de 1953. Mas, segundo o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), em 1977, a sede foi mudada para um edifício tombado pelo SPHAN na rua das Palmeiras, em Botafogo.
Aldeia Maracanã
Desde então, o antigo Museu do Índio ficou sem uso até que, em 2006, a área foi ocupada por um grupo de indígenas que reivindicava a criação de um centro cultural no local. Em 2013, o clima esquentou entre os ocupantes indígenas e o governo carioca, que os tirou do terreno — cedido pelo governo federal na época — à força, com o intuito de aumentar o estacionamento do Maracanã para a Copa do Mundo. Parte saiu, outra retornou.
— Os policiais tiraram a gente na violência, teve até uma indígena grávida que perdeu o filho porque foi tirada à força. Mas nós fazemos parte da resistência e retornamos. Desde que a gente voltou para a Aldeia Maracanã, começamos a retirar o asfalto do estacionamento para plantar, iniciamos as aulas de tupi-guarani e colocamos em prática a nossa universidade indígena com um ensino horizontal que atende desde os rituais e brincadeiras para as crianças até o ensino da nossa língua — conta o cacique Urutau Guajajara.
Como é a aldeia?
Casas de madeira com telhas de amianto, plástico usado como tapagem, outras residências de sapê e até com bambu, abrigam as doze famílias de diferentes etnias que vivem na aldeia ao redor do antigo prédio. “Taw hu ipupe Tejo haw Marakanã Rio pe har” (na tradução da “língua verdadeira” Zeegte, do povo Tenetehar Guajajara: no centro da cidade do Rio de Janeiro, os povos indígenas resistem na Aldeia Maracanã).
No edifício do antigo Museu do Índio não há habitação. O cacique Urutau usa do espaço deteriorado para lecionar aulas de tupi-guarani para os membros da aldeia, das mais de duzentas línguas originárias do país. Outras atividades educativas, de plantio, preparação de alimentos, remédios medicinais e de memória da cultura dos povos originários também são realizados pela universidade indígena, a qual eles buscam reconhecimento pelo Ministério de Educação (MEC).
— Também está em construção a Casa das Mulheres, que é um espaço de acolhimento para indígenas que precisam de abrigo. Para as mulheres, a luta é ainda maior e aqui vamos falar sobre os ritos e cuidados femininos — explica a Potyra Guajajara.
Sem energia elétrica, água encanada e saneamento básico, a única aldeia indígena da cidade do Rio se mantém com doações e com a renda dos trabalhos artesanais feitos pela própria comunidade.
— Nem segurança temos aqui, já fomos furtados algumas vezes e levaram bicicleta, panelas e outros pertences, por isso tivemos que construir um muro e cercas ao redor da aldeia — lamenta Potyra. No local, uma escala de vigia noturna é a alternativa que a comunidade encontrou.
Conflito judicial
A Aldeia Maracanã é alvo de ação judicial envolvendo o governo estadual, os indígenas ocupantes e a Funai. Há cerca de 50 pessoas habitando o terreno ao lado do prédio deteriorado. Em fevereiro de 2023, o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural enviou uma carta solicitando o auxílio da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (Secec) quanto as “controvérsias acerca da garantia de direitos à população indígena fluminense no que tange ao devido uso do imóvel”, do patrimônio tombado. Entre os destaques, estavam a promessa governamental da instalação do “Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas/Universidade Indígena” e os restauros não realizados no antigo museu.
Em nota, o Governo afirmou que a posse favorável do prédio ao Estado continua sem cumprimento e sem trânsito em julgado devido à interposição de recursos pelas partes. Não há previsão de reformas:
“Um grupo de trabalho do Governo do Estado realizou vistoria no local, juntamente com a Defesa Civil do Município, concluindo que o imóvel não apresenta riscos estruturais de alta gravidade. A Procuradoria Geral do Estado requereu judicialmente a retirada dos ocupantes para efetiva transferência da propriedade do imóvel para o Estado”, informou.
A Defesa Civil Municipal encaminhou o laudo técnico, do ano passado, à Secretaria de Estado de Defesa Civil para que a mesma tome as providências julgadas cabíveis:
“Na época da vistoria, não havia nenhum imóvel próximo ao casarão de dois pavimentos e, logo, as construções não foram objetos de vistoria por parte da Defesa Civil Municipal”, concluiu a Defesa Civil.