.

NOTICIAS

NOTÍCIAS

Senador do PL Marcos Rogério ataca indígenas: ‘Nunca vi reproduzir tanto’

Povos puruborá, kujubim e migueleno reunidos em maio para lutar por reconhecimento de suas terras. Imagem: Conselho de Missão entre Povos Indígenas

O senador de oposição Marcos Rogério (PL-RO) fez críticas ao processo de demarcação e ironizou o crescimento da população indígena no Brasil durante fala a produtores rurais em São Francisco do Guaporé (RO) no último sábado (18).

O evento foi realizado no Sindicato dos Produtores Rurais de São Francisco do Guaporé para debater o marco temporal para demarcação de terras indígenas — tese derrubada pelo STF e que teve veto do presidente Lula (PT) a pontos do projeto de mesmo tema aprovado no Congresso — o parlamentar foi relator da proposta. A entidade afirma que, sem o marco, os proprietários correm risco de perder terras onde produzem alimentos há anos.

Na região, três etnias estão com áreas em processo de demarcação: puruborá, migueleno e os kujubim.

“Nunca vi procriar tanto”

A coluna recebeu um vídeo de um trecho de sete minutos da palestra do senador, em que ele ataca o governo federal por vetar, segundo ele, “integralmente” o marco temporal — na verdade, o projeto foi vetado parcialmente. Ele afirma que Lula atendeu ao “interesse de ONGs internacionais” e que isso tem feito crescer de forma artificial a população indígena no país.

Em sua fala ele reforça o discurso ruralista de que há muita terra demarcada para povos indígenas (118 milhões de hectares) e fez piada porque a população indígena cresceu de forma acelerada, segundo dados do IBGE.

“Vocês sabem qual é a população indígena do Brasil? Em 2010, no Censo de 2010, nós tínhamos no Brasil 896 mil índios. O último Censo [de 2022] apontou uma população indígena de 1,7 milhão de índios. Em 12 anos, quase 100%; eu nunca vi procriar tanto [risadas do público].”
— Marcos Rogério

A coluna procurou o senador para que ele comentasse as declarações, mas não obteve resposta.

Convite para evento sobre o marco temporal em Rondônia. Imagem: Reprodução

Mudança de metodologia explica alta

Segundo a responsável pelo projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes, o aumento de número apontado pelo Censo 2022 não tem a ver com procriação e pode ser explicado, majoritariamente, pelas mudanças metodológicas feitas para melhorar a captação dessa população.

O segmento indígena começou a ser investigado no Censo apenas a partir de 1991, quando foi introduzida a opção “indígena”. Esse quesito, repetido em 2000, estava presente apenas no “formulário da amostra”, respondido por 10% da população. Apenas em 2010 esse item foi estendido a todos os formulários.

Ainda de acordo com instituto, para 2022 o IBGE ampliou a pergunta ‘você se considera indígena?’ para fora das Terras Indígenas, o que foi determinante para ampliar o alcance dessa população.

Senador também criticou autodeclaração

No mesmo evento, o senador ainda criticou o modelo autodeclaratório dos povos indígenas, que é usado mundialmente para reconhecimento de povos tradicionais.

“Se eu for para uma região meio isolada aí e disser lá: ‘Eu sou índio!’. Pronto, sou índio! É autodeclaração.”
— Marcos Rogério, senador.

Sem fundamentar sua declaração, o senador disse que o modelo tem trazido ao Brasil pessoas que se declaram indígenas, mas nem sequer sabem falar a língua originária ou o português. “Conversei com pessoal de Santa Catarina, onde não existia índio, e começou a aparecer de uma hora para outra”, diz.

“De repente, começa a aparecer índio que não fala nem a língua originária nem a língua local, o português. Tem índio falando inglês, francês, espanhol. É o índio importado que está chegando aqui, e o governo usando isso para fazer demarcação de terra.”
— Marcos Rogério

O senador postou um trecho da sua fala em seu Instagram em que critica o governo.

O que diz a Funai

A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) afirmou ao UOL que “não há órgão, entidade ou instituição por si próprio que tenha o poder de atestar, declarar, certificar, validar, confirmar ou ratificar a origem de qualquer cidadão enquanto indígena.”

Afirma que o entendimento é validado pelo Estatuto do Índio e pela Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

“O Decreto nº 10.088/2019, que consolidou a Convenção nº 169 da OIT, estabelece o seguinte no seu artigo 1º: “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção.”
— Funai

Afirma também que a Constituição de 1988 determinou a promoção da “autonomia e do respeito às formas de organização social e cultural dos povos originários, superando o tratamento tutelar estatal sobre as comunidades indígenas.”

“A questão da autoidentidade ou autodeclaração passa a ser considerada instrumento que legitima a consciência do indivíduo como indígena.”
— Funai

Declarações disseminam o ódio, diz indígena

Para uma indígena ouvida pelo UOL, sob a condição de não ser identificada, falas como a do senador alimentam o ódio contra os grupos.

Estamos sofrendo muitos ataques desde o período eleitoral ano passado. Tem pessoas que nem nos conhecem e estão com raiva do meu povo. Isso é revoltante.

Ela argumenta que os povos indígenas foram expulsos ao longo dos anos de seus territórios e passaram a sofrer várias violências, como silenciamento da língua e represália a manifestações culturais.

“Não bastasse a pressão frequente dos fazendeiros, os políticos da região disseminam ódio contra nós. Mapas falsos delimitando os territórios reivindicados pelos povos indígenas da BR-429 estão sendo espalhados nas redes sociais, causando mais raiva na população contra nós, uma vez que são áreas bem grandes e que não coincidem com nossas reivindicações. Nenhum estudo por parte da Funai foi finalizado, não se tem um limite de nenhuma área ainda.”

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter
LinkedIn

CONTATO