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Réus do caso Bruno e Dom ficam em silêncio durante audiência

Após o retorno do caso à fase de instrução, Justiça Federal ouviu as testemunhas “Pelado”, “Dos Santos” e “Pelado da Dinha”, que preferiram não falar; a decisão se haverá ou não júri popular deve sair em até 30 dias (Imagem: Reprodução TVGlobo).

Manaus (AM) – Amarildo da Costa Oliveira (“Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”), réus no assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, permaneceram calados, durante o interrogatório desta quinta-feira (27), na Justiça Federal, em Tabatinga (a 1.106 quilômetros de Manaus). Embora Amarildo e Jefferson já tenham confessado o crime, eles fizeram uso do direito de não falarem nesse terceiro e último dia das audiências de instrução do processo.

Os trabalhos foram retomados nos dias 17, 20 e concluídos nesta quinta-feira (27). Agora, a Justiça Federal em Tabatinga determinou prazo para apresentação das alegações finais na ação penal contra os três homens denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF). Os assistentes de acusação terão cinco dias, enquanto a defesa, dez dias de prazo. De acordo com o portal G1, os réus pediram transferência para Manaus. Os réus estão presos nas penitenciárias federais nos municípios de Catanduvas, no Paraná; e em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, de onde foram ouvidos por videoconferência.

Para o consultor-técnico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) Orlando Possuelo, o silêncio dos réus, na audiência desta quinta-feira, pode ter sido uma estratégia de defesa. “Cada vez eles vão tomando um caminho, então a gente já não vê eles falando que agiram em legítima defesa. Agora vamos aguardar”, disse. Mas Possuelo questionou como isso será considerado pelo juiz, Wendelson Pereira Pessoa, que deve decidir se os réus irão ser ou não julgados em um júri popular.

“Eu não sei o que eles têm em defesa deles depois de já ter em algum momento confessado o crime… eu não sei como é a validade disso perante a lei, de você chegar lá e mudar o seu depoimento, mas a gente continua acompanhando e esperando que a justiça seja feita que não ocorra também essa transferência dos presídios. Espero que eles continuem lá”, finalizou.

O processo voltou à fase de instrução após a defesa dos réus alegar que o primeiro juiz do caso, Fabiano Verli, não havia permitido o depoimento de testemunhas arroladas pela defesa. Os advogados entraram com um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O pedido foi atendido e a Justiça Federal ordenou a realização das oitivas com as testemunhas não ouvidas, além de um novo interrogatório com os réus.

Advogados de acusação

Para o advogado da família do indigenista Bruno Pereira, João Calmon, parte das testemunhas de defesa que foram ouvidas não prestaram o compromisso legal em virtude da relação de parentesco e intimidade com os réus. “Acredito que isso não trouxe maior elucidação ao caso, mas é prerrogativa da defesa e acho que tanto nós, quanto as demais partes, não vê problema em prolongar um pouco mais a instrução para que a defesa não possa alegar posteriormente qualquer forma de cerceamento e nessa esteira acho que foi satisfatória”, comenta João Calmon.

Calmon também comentou sobre o silêncio dos réus no interrogatório realizado nesta quinta-feira (27). “É uma prerrogativa do réu, e neste aspecto, nós, como advogados, temos um profundo respeito por este princípio constitucional e eu jamais atribuiria a qualquer aspecto negativo a essa opção de cada um deles, de acordo com a orientação dada pela própria defesa”, concluiu Calmon.

Rafael Fagundes, que é advogado da família do jornalista britânico Dom Phillips, também se manifestou. “Estamos satisfeitos. Acreditamos que as provas colhidas ao longo do processo são mais que suficientes para fundamentar uma decisão de pronúncia e esperamos que o caso seja levado a júri popular”, disse. A Amazônia Real procurou a defesa dos réus no processo mas, até a publicação da reportagem, não houve retorno. Tão logo isso aconteça, a reportagem será atualizada.

Testemunha de acusação

Vigília para Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira na Embaixada do Brasil em Londres, em 9 de junho de 2022 (Foto:© Chris J Ratcliffe / Greenpeace).

A Amazônia Real entrevistou uma das testemunhas de acusação, ouvidas pela Justiça Federal, que aceitou falar em condição de anonimato. Sobre o seu depoimento, a testemunha afirmou que havia todo um plano muito bem arquitetado para matar o indigenista Bruno Pereira.

“Eles (os réus) sabiam exatamente que naqueles dias, Bruno e Dom voltariam à cidade. Até então, eles imaginavam que não fosse exatamente naquele horário, mesmo assim eles já estavam, já tinham planejado a emboscada”, afirmou.

Ainda de acordo com a testemunha, a morte do indigenista deixaria os criminosos livres para acessar a Terra Indígena (TI) Vale do Javari. “Eles já tinham decidido isso. Fizeram essa emboscada super bem planejada, mas o crime sempre deixa o rastro. Eles estavam vigiando há dias naquele barco rápido deles. Quando o Bruno passava na comunidade deles, toda a comunidade, toda a vizinhança sabia que eles iam matar o Bruno”, conta.

A testemunha conta ainda que, caso não conseguissem matar o indigenista, os réus tentariam matar alguém que fosse da Equipe de Vigilância Univaja (EVU). “Ou eles matariam o motorista ou me matariam, se não conseguissem assassinar o Bruno”, pontua. Segundo a testemunha, matar alguém da EVU seria também uma forma de intimidar quem quisesse impedir as atividades de pesca ilegal no território indígena.

Após o término das oitivas em Tabatinga, a testemunha diz estar esperançosa. “Espero que a justiça seja cumprida, que eles sejam julgados e paguem pelo que eles fizeram. É isso que eu espero da justiça.”

“Legítima defesa“

Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) durante a audiência (Reprodução TVGlobo).

As primeiras audiências de instrução foram marcadas para os dias 22, 23 e 24 de janeiro deste ano. Porém, elas acabaram sendo adiadas para que a Justiça pensasse uma “estratégia para ouvir os acusados de forma remota”, já que Tabatinga tem uma internet precária.

Os trabalhos só começaram para valer no dia 20 de março com as primeiras oitivas, ouvindo as testemunhas. Os réus só foram interrogados pela Justiça Federal no dia 8 de maio. Na ocasião, Amarildo da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima confessaram o duplo homicídio, porém alegaram “legítima defesa”. A dupla disse que o indigenista Bruno Pereira atirou primeiro na direção deles, e que apenas reagiram ao ataque que resultou também na morte do jornalista britânico Dom Phillips, que acompanhava Bruno.

O indigenista e o jornalista foram dados como desaparecidos no domingo 5 de junho de 2023, mas as buscas só começaram depois de uma grande comoção na internet e muita pressão internacional. Foi só assim que o então presidente, Jair Bolsonaro (PL), ordenou o início das buscas no dia seguinte.

Dom Phillips era colaborador do jornal The Guardian, no Brasil. Já o indigenista Bruno Pereira, era servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) e estava trabalhando em um projeto da Univaja. Seus corpos só foram localizados 10 dias depois. Bruno e Dom foram mortos a tiros e tiveram seus corpos esquartejados e queimados.

O assassinato brutal foi em represália às denúncias de que os ribeirinhos estavam invadindo a TI Vale do Javari, no Amazonas, para pescar ilegalmente pirarucu e tracajás (quelônios da Amazônia). Dom Phillips estava investigando o caso, com auxílio de Bruno Pereira, e tinha o plano de escrever um livro sobre o tema.

No dia em que foram assassinados, Bruno e Dom passaram na comunidade ribeirinha de São Rafael, localizada no município de Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus), no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru. Segundo a Univaja, a última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel, que fica rio abaixo da comunidade São Rafael.

Em junho deste ano, ao completar um ano dos brutais assassinatos, 50 jornalistas de 16 veículos de comunicação de 10 países se reuniram em torno do consórcio Forbidden Stories para produzir o Projeto Bruno e Dom. Numa série de reportagens investigativas, os órgãos de imprensa, incluindo a Amazônia Real, contaram histórias da Amazônia que o jornalista Dom Phillips perseguia.

Réus confessos

Amarildo durante a audiência de instrução (Imagem: Reprodução TV Globo).

O pescador Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, foi o primeiro a confessar participação no crime, na terça-feira 14 de junho de 2022, junto à Polícia Federal (PF). O irmão de “Pelado”, Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, negou envolvimento com o crime. No dia 17 de junho de 2022, a PF chegou a afirmar que apenas os irmãos Amarildo e Oseney de Oliveira eram os autores do duplo homicídio, e que não havia um mandante do crime. A Univaja protestou contra a versão policial.

O terceiro suspeito de participação no crime, Jefferson Lima da Silva, vulgo “Pelado da Dinha”, foi preso no dia 18 de junho. “Pelado” e Jefferson da Silva admitiram às autoridades policiais que mataram, esquartejaram e queimaram os corpos de Bruno e Dom, escondendo os restos mortais na floresta que margeia o rio Itacoaí.

Um dos depoimentos aguardados no retorno das audiências foi o de Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, que negou ter tido qualquer participação no crime. Ele foi ouvido na condição de testemunha no dia 17 deste mês.

Apesar de não ser réu no processo, “Colômbia” foi indiciado pela morte de Bruno e Dom depois que a Polícia Federal descobriu que ele e Jânio trocaram nada menos do que 419 ligações, entre 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022, um dia após o duplo homicídio. Jânio foi uma das últimas pessoas com quem Bruno e Dom conversaram antes de serem dados como desaparecidos. Jânio disse em mais de uma ocasião que só conhecia “Colômbia” de vista, o que foi desmentido pela quebra de sigilo telefônico.

Para a PF, Colômbia seria o comandante da organização criminosa transnacional que praticava a pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, fronteira com Peru e Colômbia. Abaixo dele na hierarquia, estava o seu “braço direito”, Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, e Jânio Freitas de Souza, apontado como líder na comunidade São Rafael, localizada no rio Itacoaí, na divisa com a terra indígena. Foi nesse percurso entre essas duas comunidades que Bruno e Dom sofreram uma emboscada e depois foram assassinados.

Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) (Foto: Reprodução TV Globo).

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