Rosani de Fátima Fernandes e Bruno Ferreira, ambos de etnia Kaingang, são os primeiros professores indígenas empossados na UFRGS e atuarão na Faculdade de Educação (Faced). Os dois foram aprovados no Concurso Público Docente realizado em 2023 para a área Educação e Relações Étnico-Raciais – Subárea: Educação Indígena.
Empossada dia 6 de maio, Rosani foi a primeira colocada no concurso, além da primeira indígena mulher a compor o corpo docente da UFRGS; ela já está atuando no Departamento de Estudos Especializados (DEE) da Faced. “Estar na UFRGS enquanto indígena, mulher, Kaingang, pedagoga, educadora, mãe e como lutadora é parte de um projeto de luta coletiva, não só dos movimentos indígenas, mas dos movimentos indigenistas que são parceiros e lutam por uma sociedade brasileira mais plural e por uma universidade mais equitativa, justa e que respeite nossas diferenças, sobretudo, que inclui a diversidade étnica nos seus quadros de discentes e docentes”, explica a professora.
Feliz pela conquista, Bruno Ferreira Kaingang é o primeiro professor indígena da UFRGS e foi empossado em 27 de maio. “Eu represento outros saberes, outros conhecimentos e outras epistemologias que trago do meu povo. Os povos indígenas se alegram com a nossa estadia na UFRGS”, avalia ao explicar que antes da nomeação atuava como professor do Instituto Estadual de Educação Indígena Ângelo Manhká Miguel.
Nascido na terra indígena Inhacorá, região noroeste do estado gaúcho, em 1993 Bruno ingressou na licenciatura em História na Unijuí e concluiu o mestrado e o doutorado na Faced em 2020, sendo o primeiro doutor indígena da UFRGS. “A Faced representa esse espaço de construção de conhecimento a partir de outros saberes, e a minha função aqui enquanto professor é dialogar nesses espaços”, resume o docente.
Vivendo em Porto Alegre há pouco mais de um mês, Rosani nasceu na aldeia Toldo Chimbangue, em Chapecó (SC), mas morava no Pará há 20 anos. Na Universidade Federal do Pará (UFPA) concluiu o mestrado em Direito, com ênfase em Direitos Humanos, e o doutorado em Antropologia Social. “Estar aqui significa a possibilidade de novas cosmologias, que não são tão novas assim, pois somos milenares. Estamos aqui muito antes da chegada dos portugueses. Estar aqui é a possibilidade do diálogo intercultural entre conhecimentos e ciências diversos que não podem ser tratados com inferioridade”, defende a professora.
Rosani salienta que o cargo como docente na Universidade é parte de uma luta coletiva pelo direito de ocupar estes espaços, além de ser um compromisso político: “Estar na Universidade é ser essa ponte entre a academia, as comunidades e o movimento indígena”.
Acesso
Em um levantamento preliminar feito pela Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas da UFRGS em 2019, que contou com a participação de 1.851 dos 2.935 docentes em exercício na Universidade naquele ano, constatou-se que, das respostas obtidas, apenas 15 eram de pessoas negras – o equivalente a 0,81% – e nenhum dos docentes era indígena.
Para Rosani, é preciso ampliar as políticas afirmativas, incluindo a reserva de vagas, as políticas de permanência e a quantidade de docentes indígenas, negros e quilombolas. “A minha entrada na UFRGS é um misto de sentimentos, pois, ao mesmo tempo em que compreendemos a importância de ocupar um espaço enquanto um coletivo que tem um projeto de luta, fico triste por ser a primeira em 90 anos, somos apenas eu e o Bruno”.
Para além de garantir a presença de pessoas indígenas, a construção de uma universidade democrática e equitativa deve levar em conta a visão delas, favorecendo a produção acadêmica de estudantes indígenas, compondo linhas de pesquisa com temáticas que dialoguem com as demandas e projetos societário desses povos. “Precisamos repensar o currículo acadêmico de modo a incluir saberes, a ciência e a cultura dos povos originários”.
Na UFRGS, Rosani vê a academia como uma plataforma para compartilhar e socializar as ideias e produções do movimento pela educação indígena. Além de buscar a publicação de artigos e materiais didáticos, ela tem o objetivo de formar educadores em uma perspectiva antirracista e de realizar um letramento sobre a temática. Nas aulas que ministra, Rosani busca desconstruir estereótipos e a visão genérica sobre os povos originários, promovendo um entendimento mais profundo e histórico das suas realidades.