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Policiais usam bombas de gás vencidas, jagunços enterram cachorros vivos e violência segue nas retomadas de Caarapó

Indígenas feridos, intoxicados por gás e espancados aguardam socorro em área retomada na TI Guyraroka. Foto: Comissão de Direitos Humanos

Os Guarani e Kaiowá interpretam como um aviso macabro a crescente crueldade dos jagunços nos ataques à retomada da Fazenda Ipuitã, área sobreposta à Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó (MS). Entre os ataques, os agressores enterraram dois cães vivos. Além disso, os indígenas recolheram cápsulas de bombas de gás vencidas utilizadas pela polícia – artefatos que, em certas circunstâncias, podem causar queimaduras graves na pele, nos olhos e nas mucosas.

De acordo com relatos apurados por uma Comissão de Direitos Humanos que esteve no local nesta quinta-feira (25), a violência contra os indígenas é exercida de forma coordenada entre jagunços, policiais militares da Tropa de Choque, civis do Setor de Investigações Gerais (SIG) e o Departamento de Operações de Fronteira (DOF).

As ações se alternam: ora atacam a área de Guyraroká, ora a de Porto Cambira (Passo Piraju), na TI Dourados-Amambaipeguá III, também em Caarapó. “Estão tentando fazer despejos ilegais, sem mandado judicial. São polícias estaduais e a questão indígena é de instância federal. Será que o Brasil realmente as leis realmente não valem nada?”, declarou indígena Guarani e Kaiowá – as fontes não serão identificadas por questões de segurança.

Cápsulas de bombas recolhidas pelos Guarani e Kaiowá após ataques policiais em tentativa de despejo ilegal. Foto: Comissão de Direitos Humanos

A Comissão foi integrada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo Comitê Contra os Agrotóxicos e pela Vida de Dourados e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Conforme a apuração, cerca de 40 soldados deslocam-se em três caminhões. A Força Nacional de Segurança Pública costuma chegar após os ataques, mas sem efetividade ou intervenção que garanta a integridade física dos indígenas.

Em Guyraroká, “destruíram todo o acampamento. Abriram um buraco e enterraram os mantimentos: toda a comida, carne, ferramentas, colchões; queimaram lonas e enterraram dois cachorros vivos. Os indígenas temem que isso represente um experimento: primeiro fazem com os animais, depois com eles”, relata uma integrante da comissão – que não foi identificada por razões de segurança.

A retomada da Fazenda Ipuitã pelos Guarani e Kaiowá sofre ataques sistemáticos desde o início da madrugada desta quinta-feira. Há quatro feridos, entre eles uma mulher grávida de seis meses, que passou mal devido às bombas de gás. O caso mais grave é o de um homem adulto, atingido a queima-roupa por balas de borracha em várias partes do corpo. “Ele se recusa a ir ao hospital devido ao histórico de racismo e de prisões realizadas quando indígenas buscam atendimento”, afirma a fonte.

Os Guarani e Kaiowá seguem criticando a tímida presença do governo federal em iniciativas de proteção ao povo e com encaminhamentos sobre a garantia territorial e a interrupção da pulverização de agrotóxicos, uma das razões da retomada na TI Guyraroká. Em nota, Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirma que acompanha a situação com o seu setor de mediação de conflitos. Durante esta quinta (25), reuniões ocorreram entre indígenas e seus aliados com o MPI, Ministério do Direito Agrário (MDA) e Ministério dos Direitos Humanos (MDH).

Os Guarani e Kaiowá recolheram projéteis e bombas de gás estouradas. Dessa forma, comprovaram a validade vencida. Foto: Comissão de Direitos Humanos

Espetacularização da violência

Os Guarani e Kaiowá também denunciam que, nas rádios locais, são constantes os ataques racistas, a incitação à violência contra indígenas e até convites para que a população assista aos ataques “de camarote”.

“Lembra Gaza. Há um local elevado, em Israel, de onde se tornou comum observar os bombardeios (BBC, 2025). É a espetacularização da violência”, comenta a integrante da comissão. Os indígenas afirmam ainda que no local há um cemitério onde parte de seus ancestrais está enterrada.

Denúncias na ONU

Albert K. Barume, relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, recebeu um informe nesta quarta-feira (24) sobre a escalada da violência contra os Guarani e Kaiowá da TI Guyraroká. Barume se reuniu com lideranças indígenas e integrantes do Cimi em uma conversa na sede da ONU, em Genebra, onde ocorre a 60a Sessão do Conselho de Direitos Humanos.

O relator se mostrou preocupado com a situação e analisa possibilidades de como sua relatoria pode reagir às flagrantes violações de direitos humanos

Por outro lado, durante o Diálogo Interativo na 60a Sessão do Conselho de Direitos Humanos, Bruno Marcos, integrante do Cimi, se pronunciou denunciando as violações de direitos humanos sofridas pelos Guarani e Kaiowá na TI Guyraroká.

Uma ambulância atendeu os indígenas feridos em Guyraroká. Foto: Comissão de Direitos Humanos

Comunicado à CIDH

A comunidade de Guyraroká e organizações aliadas enviaram apelo urgente à secretária Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Os indígenas pedem que a Comissão acelere os processos judiciais que envolvam a demarcação da TI Guyraroká: única medida capaz de solucionar definitivamente o conflito e garantir a sobrevivência física e cultural da comunidade.

“Em continuidade à nossa comunicação de 21 de agosto de 2025, os peticionários vêm, com urgência, informar a esta Ilustre Comissão sobre a grave escalada de violência, repressão e criminalização contra a comunidade Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Guyraroká, de Caarapó, Mato Grosso do Sul”, diz trecho do documento.

O apelo é uma atualização sobre a situação de violência e violações de direitos na Terra Indígena Guyraroká presentes na Medida Cautelar (MC 458-19), concedida pela CIDH em 29 de setembro de 2019. A medida tem como objeto a TI Guyraroká e visa garantir os direitos à vida e à integridade pessoal dos indígenas.

“A situação de insegurança alimentar, já grave, tende a se agravar com a perda das plantações e a impossibilidade de cultivar em um ambiente envenenado”

Conforme a atualização, “nos últimos dias, a comunidade foi forçada a tomar uma atitude drástica para proteger sua própria sobrevivência, resultando em uma nova onda de repressão estatal e na disseminação de informações falsas com o objetivo de deslegitimar sua luta”. O documento discorre sobre os fatos desdobrados desde domingo ressaltando os objetivos da retomada.

“Os eventos recentes demonstram, de forma inequívoca, a total falha do Estado brasileiro em cumprir suas obrigações de proteger a vida, a integridade e o território da comunidade de Guyraroká. A ausência da Funai durante o ataque, a ação violenta da polícia e a falta de fiscalização sobre o uso de agrotóxicos evidenciam que o Estado não apenas é omisso, mas atua ativamente para perpetuar as violações de direitos”, aponta outro trecho.

A atualização informa que a comunidade segue confinada a uma área diminuta de seu território, cercada pelo agronegócio e sofrendo com a contaminação de suas terras e águas. “A situação de insegurança alimentar, já grave, tende a se agravar com a perda das plantações e a impossibilidade de cultivar em um ambiente envenenado”, conclui.

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