Nos últimos dias, a Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) viveu um momento histórico, que marca o alcance do ensino superior para além dos muros da Universidade e das fronteiras culturais. A UVA acaba de outorgar grau a 66 professores indígenas através do curso Cuiambá Pedagogia Intercultural Indígena Magistério Tremembé, tornando esses educadores habilitados para atuar como pedagogos interculturais em nove escolas diferenciadas das aldeias Tremembé, nos municípios de Itarema e Acaraú. A instituição é pioneira entre as universidades estaduais na oferta de um curso de magistério indígena.
O curso Cuiambá foi realizado em uma rede de parcerias institucionais entre a UVA, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio do Programa Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (PARFOR), o Conselho Indígena Tremembé de Almofala, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará, a Secretaria Municipal de Educação de Itarema e a Igreja Metodista do Brasil. O corpo docente contou com a participação de professores indígenas e mestres da cultura Trememé, oriundos da UVA, Universidade Estadual do Ceará (UECE), Instituto Federal do Ceará (IFCE), Faculdade Luciano Feijão (FLF), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade de Fortaleza (Unifor), além das Universidades Federais do Piauí, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
Na UVA, o Magistério Intercultural Tremembé conta com a coordenação da professora Adriana Campani. De acordo com a docente, o curso Cuiambá nasceu nas Aldeias Indígenas Tremembé e a UVA o reconheceu, acolheu, protegeu e foi co-gestora em seu desenvolvimento. “O Cuiambá nasceu da Extensão para o Ensino e a Pesquisa, assim a Universidade foi aprendendo a fazer interculturalidade”, destaca.
Na avaliação da professora Adriana, a Reitoria da Universidade, a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e a Pró-Reitoria de Extensão e Cultua (PROEX) foram fundamentais no processo de reconhecimento, acolhimento e permanência do Cuiambá na UVA, por meio da institucionalização do projeto pedagógico, da realização do processo seletivo diferenciado, da descentralização da assistência estudantil para atender as especificidades dos alunos e alunas indígenas e o reconhecimento de um percurso acadêmico diferenciado.
“O Cuiambá articulou saberes científicos, tecnológicos e Tremembé em uma metodologia de ensino-aprendizagem que reconhece o jeito Tremembé de ser, ensinar-aprender e se expressar. Com a Pedagogia Tremembé, a Universidade foi aprendendo a fazer inovação pedagógica”, ressalta a docente.
“Hoje a Universidade realiza esse sonho de celebrar a conclusão desse curso na UVA, sendo a pioneira entre as instituições de ensino superior estaduais na educação dos povos indígenas”, comemorou a reitora da UVA, professora Izabelle Mont’Alverne Napoleão Albuquerque, durante a solenidade de Outorga de Grau realizada no último dia 31 de outubro, no auditório Central do campus Betânia.
Educação diferenciada indígena
De acordo com dados do Censo Escolar 2022, das 178,3 mil escolas de ensino básico, 3.541 (1,9%) estão localizadas em terra indígena e ministram conteúdos específicos e diferenciados, de acordo com aspectos etnoculturais. Os educadores que acabam de colocar grau na UVA atuarão nas escolas indígenas que compõem esse percentual. Para além dos inúmeros obstáculos próprios de uma educação diferenciada, está envolvida outra luta muito maior: a luta pela terra, pela identidade étnica, pela democracia e coletividade que, somada ao protagonismo e ao ideal de uma escola diferenciada, foram princípios fundamentais para realização do Cuiambá na UVA.
“O que poderia ser o Cuiambá senão um conjunto de momentos que serão eternos em nossas mentes? Ele foi o nosso grande desafio, local de nossas partilhas como povo Tremembé, também foi o local onde começamos a entender o real objetivo de uma licenciatura diferenciada Tremembé, mas acima de tudo foi onde nos tornamos quem somos”, discursou Deliane do Nascimento Silva, durante a outorga de grau aos professores indígenas.
O professor José Getúlio dos Santos, em sua emocionada fala, enfatizou que a trajetória que culmina na outorga do grau de licenciatura em Pedagogia a 66 professores indígenas é a conquista de uma árdua luta. “É um dia histórico para a luta tão árdua dos Tremembé. É um dia em que vem nas nossas memórias toda uma trajetória vivenciada no decorrer de anos desse povo tão aguerrido, luta por uma Escola Diferenciada, Escola essa que não muda o nosso jeito der ser, como diz a nossa guerreira Diana Tremembé, mas Escola essa que reforça a Luta e essa mesma Luta reforça a Escola”.
Para um dia histórico como esse, não poderia faltar a dança do Torém, ritual sagrado e ancestral considerado um símbolo de resistência dos Tremembé. O ritual ocupou a praça da Integração do campus Betânia ao final da solenidade. Indígenas e demais membros da comunidade acadêmica participaram da dança, celebrando a inclusão e a interculturalidade.
“A UVA é muito grata ao povo Tremembé por enriquecer a cultura de formação de professores descentralizada, tornando-a mais inclusiva, democrática, intercultural e inovadora. A Universidade quer mais, muito mais, porque a UVA também é território indígena”, finaliza a professora Adriana Campani.