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Organizações indígenas e indigenistas enviam ‘Chamado para uma ação urgente’ aos presidentes dos países amazônicos

Seca na Amazônia afeta milhares de pessoas e de animais. Especialistas afirmam que o quadro pode piorar. Foto: Arquivo Cimi Regional Norte I

“A Amazônia, nosso lar ancestral, enfrenta uma seca sem precedentes que ameaça nossa subsistência e o equilíbrio ambiental global”. Assim começa o “Chamado para uma Ação Urgente” elaborado por organizações indígenas, indigenistas e socioambientais latino-americanas e encaminhado aos nove chefes de estado que compõem a Amazônia – Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa. O documento encaminhado na última sexta-feira (27) também foi endereçado à Secretaria Geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

A elaboração do chamado se dá em meio a situação de seca extrema que se abateu sob a Amazônia e suas populações este ano. As medidas paliativas e assistencialistas têm se mostrado insuficientes para enfrentamento da situação e exige uma visão mais ampla e articulada para ações contundentes e resolutivas.

No documento, as organizações alertam que a Amazônia está desidratada, que o “ponto de virada” chegou e que “os governos da Amazônia devem assumir a liderança em ações articuladas”. Elas advertem ainda para importância de se tomar medidas imediatas para conter os avanços devastadores das mudanças climáticas e para insistente implantação de projetos desenvolvimentistas em locais socio ambientalmente vulneráveis. As organizações também indicam medidas de soluções específicas para resolver os problemas.

Nos meses de junho, julho e agosto, o volume de chuva em toda a região amazônica ficou abaixo da média. Esse período de seca entrou para a história da Amazônia. Foto: Arquivo Cimi Regional Norte I

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I é signatário do Chamado. A instituição, vinculada à Igreja Católica, comparte da visão do Papa Francisco expressa na Carta Encíclica Laudato si’, publicada há oito anos, e na recente Laudate Deum. Nas cartas, a Igreja mostra profunda preocupação com o cuidado da nossa Casa Comum e com o atual momento em que o mundo enfrenta as mudanças climáticas.

“As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade”, afirma o Papa na carta da Laudato si’.

Na Laudate Deum, publicada em 04 de outubro deste ano, o pontífice discorre sobre as mudanças climáticas e a extrema urgência da humanidade mudar seu comportamento diante da natureza, pois no mundo todo, em todos os biomas e ecossistemas, e especialmente na PanAmazônia, os sinais dessas mudanças estão cada vez mais evidentes.

“Nos últimos anos, temos assistido a fenômenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, com secas históricas como a que sofremos neste ano, assim como enchentes mais extremas ano a ano”, alerta no documento.

As ameaças e os riscos de morte em decorrência dos impactos das mudanças climáticas se intensificam a cada ano, afetando diretamente a vida de famílias de todo o mundo, especialmente da Amazônia. “Não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e em outros âmbitos”, alerta o Papa, na Laudate Deum.

Num mundo degradado pelas potências mundiais, por um poder que em tudo vê apenas dinheiro, Laudate Deum nos faz lembrar que somos parte dessa natureza, não estamos fora dela, mas pertencemos a ela e com ela devemos nos harmonizar.

“Contrariamente a esse paradigma tecnocrático, afirmamos que o mundo que nos rodeia não é um objeto de exploração, utilização desenfreada, ambição sem limites. Nem sequer podemos considerar a natureza como uma mera ‘moldura’ onde desenvolvemos a nossa vida e os nossos projetos, porque estamos incluídos nela, somos parte dela”, evoca Papa Francisco na Laudate Deum.

Especialistas alertam que mudanças climáticas agravaram a seca na Amazônia. Foto: Arquivo Cimi Regional Norte I

A PanAmazônia com sua floresta ainda em pé, mas correndo sérios riscos de desaparecer, é um espaço chave para a conservação da vida do planeta. No Brasil, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2022 aponta que só no Amazonas estão 28,98% da população indígena do país.

Nesse sentido de pertencimento, de integração, de vida em sinergia com os seres pertencente à natureza, o Cimi destaca o papel dos povos indígenas como guardiões não mais dos recursos naturais, mas dos bens comuns que a natureza nos proporciona.

“A vida, a inteligência e a liberdade do homem estão inseridas na natureza que enriquece o nosso planeta, fazem parte das suas forças internas e do seu equilíbrio. Por conseguinte, um ambiente saudável é também o produto da interação humana com o meio ambiente, como sucede nas culturas indígenas e aconteceu durante séculos em várias regiões da terra”, enaltece o documento.

Os níveis baixos da água afetaram milhares de pessoas e animais. Segundo a previsão de especialistas, a seca pode durar até o começo de 2024. Foto: Arquivo Cimi Regional Norte I

O grande problema atual é que o paradigma tecnocrático destruiu a ancestral relação saudável e harmoniosa de interação dos sistemas naturais «com os sistemas sociais», como bem vivenciam os povos indígenas, alerta Francisco. Porém, não é apenas dos indígenas a responsabilidade do cuidado com a Casa Comum. Essa é uma responsabilidade de todos, mas especialmente dos chefes de estado e parlamentos que conduzem as políticas que definem as formas de usufruto ambiental, se serão protetivas ou destrutivas.

O caminho apontado por Laudate Deum é de “responder aos novos desafios e reagir com mecanismos globais aos desafios ambientais, sanitários, culturais e sociais, sobretudo para consolidar o respeito dos direitos humanos mais elementares, dos direitos sociais e do cuidado da casa comum. Trata-se de estabelecer regras universais e eficazes para garantir esta proteção mundial”.

A navegação nos rios ficou comprometida em decorrência da seca histórica. Foto: Arquivo Cimi Regional Norte I

Essa é uma necessidade emergencial a ser estabelecida na Amazônia, um dos mais importantes biomas mundiais, o qual abriga a maior biodiversidade do planeta e que está relacionado aos regimes de chuva em todo o continente.

Este ano, assistimos diariamente pelos meios de comunicação os efeitos e consequências da pior e mais alarmante seca já vista em toda a região amazônica e essa situação traz a necessidade de buscar soluções universais em termos de regras e leis – e fiscalização – que protejam incondicionalmente o vasto e complexo território amazônico e suas vidas.

A lógica do capital estabelecida para a região com os projetos desenvolvimentistas é a principal ameaça ao equilíbrio da complexidade amazônica. Por isso, e por ser um bioma compartilhado por nove países – Brasil, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa – regras universais de proteção devem ser organizadas e implementadas por todos.

É preciso que os nove países, organizados na OTCA, trabalhem juntos, assumindo a liderança e o protagonismo de ações para frear o processo de destruição estabelecido na Amazônia, pelas empresas que a pretendem explorar sem qualquer responsabilidade. É preciso que atuem colocando as populações que ali vivem no centro das prioridades e não mais no lucro da exploração desenfreada.

Que tracem e implementem o mais urgente possível um plano de ação integrado, com metas e objetivos claros e firmes. Enquanto sociedade civil, as organizações que assinam o “Chamado para uma Ação Urgente” se comprometem a agir integrados na cobrança e contribuição com os estados na “Conversão Ecológica Integral”, em consonância com o Papa Francisco e a Igreja.

Confira aqui o Chamado.

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