Levantamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que as candidaturas indígenas aumentaram significativamente, considerando as eleições municipais de 2016 e de 2020. Entretanto, a representatividade política dos povos originários ainda é muito baixa. Fato que reitera a necessidade de cotas para candidaturas indígenas.
Diante disso, a promoção de políticas de incentivo às candidaturas é essencial. Em decisão histórica, o TSE decidiu que tais candidaturas terão cota de recursos eleitorais e de tempo de rádio e TV. Neste post, a Politize! abordará o caminho para a conquista das cotas para candidaturas indígenas no país e a importância da representatividade para o fortalecimento da democracia brasileira.
O cenário de representação indígena em espaços políticos
Conforme a página de Estatísticas Eleitorais, há 320 etnias indígenas cadastradas na Justiça Eleitoral. O eleitorado autodeclarado indígena equivale a 73.712 cidadãos, ou seja, 0,05% do universo de votantes no Brasil, com mais de 152 milhões de eleitores.
Sabe-se que a representatividade indígena no Poder Público ainda é diminuta, apesar do aumento de candidaturas constatado pelo TSE nos últimos anos.
Nas eleições municipais, o Brasil teve 1.721 candidaturas de pessoas que se autodeclararam indígenas em 2020, número 11% superior ao registrado em 2016. O estado com maior quantidade de candidatos foi o Amazonas, seguido pelo Mato Grosso. Em destaque, Roraima e Rio Grande do Sul tiveram crescimento de 191% e 108% em candidaturas, respectivamente.
O cargo de vereador concentra o maior número de candidatos indígenas, com 1.957 no ano de 2020. No ano de 2020, apenas 9% dos candidatos indígenas foram eleitos para as Câmaras Municipais. Ou seja, a porcentagem representa 181 vereadores indígenas em todo o país.
Vale ressaltar que o cenário é ainda mais grave no Poder Executivo. O cargo de vice-prefeito vem logo depois, com 71. Para prefeito, 36 indígenas disputaram a última eleição. Porém, apenas oito indígenas foram eleitos prefeitos na eleição municipal de 2020, com 12 indígenas vice-prefeitos.
Nas eleições gerais, o cenário também foi de aumento em participação política. Em 2014, quando iniciou a autodeclaração racial das candidaturas, apenas 84 indígenas se registraram como candidatos. O número subiu nas eleições de 2022 para 178, sendo 58 para a Câmara dos Deputados.
Kléber Karipuna, coordenador da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib), ressalta que esse aumento de candidaturas indígenas é positivo, mas a autodeclaração pode se tornar um problema. O coordenador afirma: “A gente tem conhecimento de cenários, de situações, de pessoas que se declaram, mas não têm esse pertencimento, essa atuação mais próxima, mais positiva”.
Nas últimas eleições gerais, 49% (48,7%) dos candidatos se autodeclararam brancos. Cerca de 36% (35,77%) disseram ser pardos e 14% (13,94%), pretos. Além disso, os indígenas são 0,62% e os amarelos, 0,4%.
Entenda os desafios no Brasil
A Comissão de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral, liderada por Samara Pataxó, realizou diversos eventos, a fim de reforçar o direito do voto aos povos originários. Um desses eventos foi o ciclo de debates “Abril Indígena da Justiça Eleitoral”.
Nele, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, destacou que a baixa representatividade indígena na política. Isso ocorre em razão de vários pontos, como a dificuldade em chegar aos locais de votação devido à distância das comunidades.
Muitos vivem em meios rurais longínquos e dependem de transporte fluvial, carecem de documentos e não têm acesso à internet para informá-los acerca de questões eleitorais, por exemplo. São condições que dificultam o exercício do direito ao voto dos povos tradicionais e, consequentemente, a representatividade indígena na política.
Além disso, Wapichana aponta que a atual definição para cálculo do quociente eleitoral, baseada no princípio da representação proporcional, favorece a sub-representatividade. Apesar de ter recebido muitos votos, não foi reeleita porque seu partido não atingiu o quociente eleitoral.
Marciely Ayap Tupari, secretária executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), acrescenta que muitos partidos apenas utilizam candidaturas indígenas para “ganhar mídia”, mas não as apoiam de fato. Por essas e outras razões agravadas em razão da discriminação secular, as comunidades indígenas permanecem sub-representadas nos Executivos e Legislativos municipais.
A fim de atenuar os obstáculos, a Justiça Eleitoral tem realizado ações facilitadoras para o alistamento eleitoral. O servidor Volgane Carvalho, do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE-MA), destaca a inserção de novos campos de identificação em relação à etnia e à língua originária no cadastro eleitoral, em conformidade com a Resolução TSE nº 23.659/2021.
A Resolução TSE nº 23.659/2021 aborda o cadastro eleitoral e apresentou novidades. Além dos dados pessoais, eleitoras e eleitores, também passaram a contar com novos campos de identificação, como a etnia indígena e a língua falada.
Logo, a promoção de incentivos por parte do Estado brasileiro representa o compromisso para que a pluralidade cultural das etnias esteja representada na esfera partidária. Isso parte da difusão da percepção acerca da importância do voto e da articulação para conquista de espaços.
O caminho para a conquista das cotas para candidaturas indígenas
Para compreender esse caminho, é importante saber que um tipo de questionamento ao TSE é a denominada consulta. Ao ser respondida pelos ministros, ela pode produzir um entendimento vinculante. Isto é, será aplicado pela Justiça eleitoral.
Célia Xakriabá, deputada pelo PSOL–MG, apresentou uma consulta sobre a possibilidade de cotas para incentivar as candidaturas de representantes dos povos originários. O ato parte da ausência de apoio dos partidos políticos no acesso à propaganda eleitoral, bem com aos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de campanhas. Esse contexto reitera a necessidade de investir em candidaturas indígenas, afetadas pelo racismo estrutural.
Os incentivos já existiam para as candidaturas das mulheres e de negros, mas não contemplava totalmente os indígenas. Fundamentando-se no princípio da igualdade, a representante da Bancada do Cocar no Congresso Nacional questionou o Tribunal se não seria possível o mesmo reconhecimento para candidaturas indígenas, a partir das seguintes indagações:
- “Considerando o entendimento firmado pelas Consultas n. 0600306-47.2019.6.00.0000 e 0600252- 18.2018.6.00.0000 e pela ADI n. 5617, para promoção da participação feminina e negra na política, é possível o reconhecimento da mesma projeção do princípio da igualdade para a distribuição proporcional de recursos financeiros (Fundo Partidário e FEFC) e de tempo de rádio e TV em relação ao número de candidaturas indígenas registradas por partidos e federações?”;
- “Para garantir a promoção de políticas de incentivo de candidaturas indígenas, é obrigatória a distribuição de recursos financeiros (Fundo Partidário e FEFC – arts. 16-C e 16-D da LE) e de tempo de rádio e TV (art. 47 e seguintes da LE) de maneira proporcional às candidaturas indígenas formalizadas, conforme entendimento adotado na participação da população negra na política?”;
- “Subsidiariamente, em caso de resposta negativa aos quesitos acima (o que não se espera), é possível o enquadramento das candidaturas indígenas dentro dos parâmetros indicados na Consulta n. 0600306-47.2019.6.00.0000, que visa a promoção de candidaturas negras?”.
A partir da análise da consulta, o TSE determinou que partidos e federações partidárias com candidaturas indígenas registradas terão direito à distribuição proporcional de recursos financeiros do Fundo Partidário (Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos), e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além de tempo gratuito de rádio e televisão. Decisão que se deu por unanimidade.
O relator, ministro Nunes Marques, considerou que será necessária a autodeclaração de etnia indígena para que o candidato tenha acesso aos benefícios. Nesse sentido, a agremiação tem autonomia em decidir como distribuirão esses recursos entre seus candidatos indígenas.
Caberá à Presidência da Corte avaliar o impacto e a regulamentação da proposta. Ela também realizará estudos sobre a possibilidade de implementá-la já nas eleições de 2024 ou no pleito de 2026.
O movimento de “aldear a política”, conforme cita a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL), consiste em trazer o protagonismo dos povos indígenas. Em 2024, as eleições serão mais uma oportunidade de proporcionar maior representatividade eleitoral e política aos povos indígenas.