O ambientalista, filósofo e poeta Ailton Krenak se tornou o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), nesta sexta-feira (05). Krenak nasceu em Minas Gerais (MG) e tem vários livros publicados e premiados, e é só um dos nomes de figuras defensoras dos direitos dos povos indígenas que encontram na literatura uma forma de expressão. No contexto do Rio Grande do Norte, um desses nomes é Eva Potiguara, pertencente ao povo Potiguara Sagi Jacu.
Além de ilustradora, contadora de histórias, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Eva também é autora de livros, como “Cânticos de uma filha da terra”, ou Abyayala Membyra Nhe’engara. Publicado pela editora UK’A editorial e com posfácio de Daniel Munduruku, o livro traz uma coletânea de poesias produzidas por Eva e foi um dos 10 finalistas na categoria poesia do Prêmio Jabuti no ano passado.
Além disso, a escritora acumula outras conquistas literárias: seu primeiro romance, Os herdeiros de Jurema, foi classificado no prêmio Maria Carolina de Jesus. Já em dezembro do ano passado, ela venceu o Prêmio Jabuti na categoria Fomento à Leitura, com o projeto “Guerreiras da Ancestralidade do Mulherio das Letras Indígenas”, se tornando a primeira escritora indígena do RN a vencer o prêmio.
A busca pela identidade e a influência no processo de escrita
A escritora Eva Potiguara começou no fazer literário desde os oito anos de idade, quando escrevia histórias em quadrinho e as ilustrava. Esse processo durou até os dezesseis anos. Ela conta que, nessa época, ainda não tinha consciência de que era indígena, e essa dificuldade para saber mais sobre a própria identidade foi acentuada por viver em um contexto urbano. “Meu pai não conversava sobre isso comigo, muito menos minha mãe”, narra.
O entendimento a respeito da própria identidade veio aos 24 anos. Em uma atividade da igreja que Eva frequentava, ela e mais um grupo visitou aldeias indígenas Potiguaras localizadas na Baía da Traição. Foi lá que ela teve uma sensação de pertencimento àqueles povos. “Quando eu cheguei lá, senti um certo estranhamento em ver pessoas as quais eu me sentia tão familiar”, conta. “Eu não sabia explicar, mas achava as pessoas muito parecidas com a minha família, especialmente por parte do meu pai. Alguns hábitos, o jeito de falar… Quando voltei fiquei com isso na cabeça”.
Foi então que Eva começou a pesquisar, por meio de perguntas direcionadas à família, sobre a sua própria história e de seus familiares. “Isso veio influenciar, também, na minha escrita”, conta ela, que, com uns anos depois, descobriu que, de fato, pertencia a família indígena. Inclusive, descobriu que o seu avô materno é indígena Potiguara, pertencente à Baía da Traição, onde ela havia visitado.
Para descobrir detalhes sobre a ascendência paterna, Eva chegou até mesmo a visitar cartórios para conferir documentos sobre os familiares que vieram antes dela. Foi assim que descobriu que o avô paterno, Pedro Claudino, pertencia a uma família da aldeia Sagi Jacu, que fica na divisa do Rio Grande do Norte e Paraíba. “Nesse processo todo, a minha escrita já vinha despertando um novo olhar, e o meu olhar poeta também teve uma grande reviravolta visceral. A sensibilidade que eu não conseguia explicar, colocava no papel”, explica.
Eva Potiguara defende que a escrita que ela produz não é apenas dela, mas coletiva. “Vejo minha escrita parte de uma coletividade, ancestralidade, e da manifestação pelos direitos humanos e à terra que foram negados aos meus antepassados. O meu foco hoje é de uma escrita de denúncia, com muita dor, mas também muita esperança e resistência”.
Os desafios e as esperanças da literatura dos povos indígenas
Eva entende que a presença da literatura produzida por povos indígenas “apesar do preconceito, está, aos poucos, furando a bolha”. Nesse sentido, ela cita o próprio Ailton Krenak como um dos grandes exemplos. Mas quando o assunto é indígenas mulheres fazendo literatura, a grande inspiração que Eva cita é Eliane Potiguara, escritora que já falava de feminismo e direitos dos povos indígenas no final dos anos 1970, em plena ditadura militar. Além disso, ela destaca outras mulheres indígenas na literatura, como a Graça Graúna, natural do RN, e escritoras de outros estados do Nordeste, dentre elas Telma Tremembé, falecida no ano passado, Aline Kayapó e Adriane Tuxá.
A indígena Potiguara ainda destaca que a literatura indígena se diferencia das demais pela ideia da coletividade. “A literatura da mulher e do homem indígena traz a história do seu povo, as raízes e as cosmovisões desses povos, com suas lutas. Ela não é literatura fictícia, mas tem o pé na ancestralidade”.
Ao ser indicada ao Prêmio Jabuti no ano passado, Eva não pretendia comparecer ao evento, devido a problemas de saúde. Isso mudou quando, pouco antes da premiação, teve um sonho no qual revelava que ela deveria estar lá, pois iria vencer o prêmio. Foi assim que, cinco dias antes do evento, Eva comprou as passagens. Ela relembra que, ao receber o prêmio, declarou: “O Brasil é terra indígena, leiam mulheres indígenas”.
Eva entende que a sua presença no Prêmio Jabuti ano passado tem uma importância para ela e também para as demais mulheres indígenas. “As mulheres indígenas contam histórias dos seus povos, suas dores e suas lutas. Elas contam histórias que não foram contadas, mas silenciadas e negadas nos livros de história”, ressalta. “Eu tinha que estar ali para honrar essas mulheres, de ontem e de hoje”.