Membro da coordenação do coletivo Miriã Mahsã, que representa indígenas LGBTQIAPN+ e pessoas aliadas, Jaú Ribeiro Tupinambá afirmou que a garantia da mudança do nome para pessoas transgênero e não-binárias “é uma questão de dignidade e sobrevivência”. Jaú foi uma das pessoas beneficiadas nesta quarta-feira (4) com a entrega de novos títulos de registro civil para 19 pessoas transgêneros e não-binárias, incluindo indígenas que passaram a ter sua etnia, atualização do nome e identidade de gênero no documento.
O evento ocorreu no auditório anexo à sede do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) como parte da campanha “Etnicidade Indígena: Comunidade Plural”, coordenada pela Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ-AM), em parceria com o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil – Seção Amazonas (IEPTBAM) e a Comissão LGBTQIAPN+ da Caixa de Assistência dos Advogados do Amazonas (CAAAM), da OAB-AM.
“Pessoas trans, especialmente em contexto de discurso social, são muito discriminadas. Isso pode afetar muito a nossa saúde mental. A falta de reconhecimento agrava a nossa ansiedade, agrava a depressão e contribui para a gente querer acabar com a nossa vida. A gente, enquanto povos indígenas, a taxa de suicídio é três maior. Então é muito importante isso que está acontecendo aqui hoje. Ter nosso nome retificado é um ato de acolhimento e proteção”, comemorou.
Para A CRÍTICA, Jaú, uma pessoa não-binária, explicou que a busca pelo reconhecimento surgiu durante o Acampamento Terral Livre (ATL), maior mobilização indígena do mundo. No local, um dos integrantes do povo Sateré-Mawé entrou em contato com a representante da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Andréa Prado, que começou a ajudar o coletivo.
“A gente comentou com ela que uma das dificuldades que a gente tem é justamente você ter a sua identidade reconhecida dentro de um documento, porque você não vai sofrer transfobia, que é o que acontece muitas vezes. Quanto você vai tentar um trabalho, o seu nome de registro é um e você se identifica com outro. Às vezes o trabalho não reconhece, esses espaços não reconhecem essas identidades, por isso é tão importante a gente ter a documentação com o nosso nome”, frisou.
Jaú relembra que, até o momento, a única pessoa que foi reconhecida como não-binária foi Álex Sousa, que precisou recorrer à Defensoria Pública do Rio de Janeiro para ter esse direito devido ao baixo amparo legal no estado do Amazonas.
Uma das beneficiadas pela ação do coletivo foi Ariska Anastásya da Costa Lopes, travesti manauara e artesã conhecida pelo nome de Ariska Derìì.
Ela destacou que estava muito feliz com o momento e que há muito tempo queria dar entrada no processo para formalizar seu nome, mas foi impedida pela burocracia e a questão financeira.
“Com a inciativa do [coletivo] do Miriã Mahsã, isso se tornou possível. E o coletivo tem um gostinho diferente também, de ir juntos fazer as coisas. Hoje estar aqui junto com todas elas, todos eles recebendo isso é muito importante. Não consigo nem falar direito de ver esse documento, ver o meu nome que agora é registrado, sentir que é mais uma conquista de mim mesma, apesar de todas as dificuldades”, disse.
Ariska aponta outras iniciativas além do coletivo Miriã Mahsã que ajudam pessoas trans, como o Ambulatório de Diversidade Sexual localizado na Policlínica Codajás, no bairro Cachoeirinha, zona Sul de Manaus. No local, as pessoas são orientadas sobre o processo de hormonização e outros cuidados.
“Eu acredito que essas pequenas iniciativas conseguem furar diversas bolhas das dificuldades que a gente enfrenta, de ter a nossa identidade reconhecida enquanto pessoas trans no nosso país, que é um dos países que mais mata pessoas trans, pessoas LGBT”, conclui.
Campanha
Representante da CGJ, o juiz auxiliar Rafael Almeida Cró Brito relembrou que essa iniciativa surgiu durante as campanhas do Registre-se, programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para emissão de documentos civis para brasileiros. Os dados mostravam que, em todo o Brasil, quase 3 milhões de pessoas não tinham toda sua documentação.
“No último evento do Registre-se, uma pessoa me procurou e disse ‘doutor, nós temos uma associação de pessoas transgêneros e eu gostaria muito que o senhor pudesse me ajudar, para que nós pudéssemos realizar [o registro civil], porque é tão difícil, é tão complicado, ainda um mistério tão grande conseguir realizar a possibilidade da mudança de nome’, para que isso possa trazer dignidade às pessoas com a forma psicológica como elas se veem”, disse.
Representante do 8º Ofício de Registro de Pessoas Naturais, Larisse Moura afirmou que o nome e o gênero não são “apenas um conjunto de letras”, mas a expressão de quem o indivíduo é e como quer ser reconhecido.
“Em tempos atuais, é fundamental reconhecermos a importância de permitir que as pessoas possam ajustar ou alterar seus nomes e gêneros de acordo com sua identidade, com o que lhes faz sentido. Essa mudança não é mero detalhe burocrático, é a afirmação de uma liberdade, autenticidade e respeito à individualidade de cada um. Garantir que todos têm o direito de definir o próprio nome é um passo essencial para construir a sociedade mais inclusiva e empática”, disse.