O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao cacique da Terra Índigena (TI) Xapecó, Osmar Barbosa, para que não implementem o plano de transição produtiva do território, elaborado pela autarquia, até que sejam sanadas as irregularidades apontadas. A medida se dá em inquérito civil que acompanha o cumprimento de termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado com o objetivo de erradicar a plantação de transgênicos na área demarcada.
Segundo a recomendação, o plano desenvolvido pela Funai compromete a efetividade do acordo celebrado pelo MPF com lideranças indígenas e a Associação dos Produtores Rurais Parceiros da TI Xapecó, ainda em 2015. O pacto, firmado no âmbito de ação civil pública, estabeleceu que o projeto de desenvolvimento econômico sustentável da terra indígena não envolveria o plantio de soja transgênica, seguindo legislação vigente e decisões da Justiça sobre o tema.
Na recomendação, o MPF destaca que, apesar da vedação legal ao plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs) em terra indígena e do acordo celebrado pelo MPF há mais de oito anos, o cronograma de transição apresentado pela Funai para a TI Xapecó mantém o uso de sementes transgênicas por ao menos quatro safras. Além disso, a proposta não prevê a participação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em nenhuma de suas fases.
De acordo com o documento, a exclusão do órgão ambiental do processo de transição tecnológico-produtiva do território viola a legislação brasileira, uma vez que o plantio de OGMs é questão nitidamente ligada à conservação do meio ambiente. Para o MPF, o Ibama deve ser incluído no processo como entidade responsável pela fiscalização e monitoramento das lavouras.
Outro empecilho à implementação imediata do plano é a ausência de consulta prévia, livre e informada à população indígena da Terra Indígena Xapecó, diretamente impactada pela transição tecnológico-produtiva que se busca. O MPF alerta, ainda, para a ausência de discussão com a população indígena sobre a posse coletiva da terra e o resultado financeiro da produção.
“A situação dos plantios de OGMs na TI não pode encontrar solução que não leve em conta a situação fundiária/ocupacional atualizada da área, a fim de evitar a privatização da posse coletiva da terra indígena, em violação ao que dispõe o art. 231 da Constituição Federal”, destaca a recomendação.
Providências – Na recomendação, o MPF requer a imediata inclusão do Ibama nas discussões acerca do plano de transição produtiva da TI Xapecó e a finalização, em até 15 dias, do levantamento fundiário e ocupacional do território, com indicação georreferenciada dos lotes e respectivos detentores indígenas, bem como de eventuais áreas sob posse de não indígenas.
O MPF estabeleceu ainda prazo de 30 dias para a realização de consulta prévia, livre e informada com toda a população indígena da TI Xapecó. O procedimento, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, deve abordar a produção da monocultura agrícola com uso de OGMs e o plano de transição tecnológica para substituição das sementes transgênicas por convencionais, esclarecendo os riscos envolvidos. A consulta à comunidade também deve abordar o regime de distribuição da terra e dos resultados da produção na TI Xapecó. Todas as etapas devem ser informadas ao MPF.
Riscos da monocultura agrícola com uso de transgênicos, segundo parecer da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente:
– contaminação dos transgênicos sobre as variedades silvestres de cultivos que compõem, entre outros, a base da alimentação indígena;
– aumento da dependência dos povos indígenas sobre sementes cujo acesso depende do pagamento de royalties, para além a forte demanda por agrotóxicos;
– possibilidade de contaminação do solo e rios por agrotóxicos utilizados nos cultivos transgênicos;
– aumento da resistência de determinadas pragas nos cultivos transgênicos que podem afetar outros cultivos ou outras fontes alimentares dos indígenas;
– possibilidade de os povos indígenas serem judicialmente acionados para o pagamento de royalties, em caso de ocorrência de plantas transgênicas, mesmo após o término da utilização deste tipo de cultivo;
– ausência de conhecimento sobre a existência de alergias e demais aspectos relacionados à saúde humana;
– demais contaminações cruzadas dos genes transgênicos sobre a diversidade biológica das terras indígenas.
TI Xapecó – A Terra Indígena Xapecó, localizada no oeste catarinense, tem ao todo 16 mil hectares e nela habitam povos das etnias Guarani, Guarani Mbya e Kaingang. Segundo dados da Funai, residem no território 5.338 indígenas. A área compreende três municípios de Santa Catarina: Abelardo Luz (95 hectares), Ipuaçu (26 hectares) e Entre Rios (10 hectares).