São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira (20), a partir das 14h, o julgamento do marco temporal para as terras indígenas (TI). Até o momento, a Corte formou quatro votos desfavoráveis e dois favoráveis à tese que delimita o processo de demarcação de territórios. Ainda faltam os votos de outros cinco ministros que podem definir se é constitucional ou não considerar o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, como o marco temporal para a demarcação de TIs.
Defendida por ruralistas, a matéria é alvo de protestos e críticas de indígenas e ambientalistas. Desde o último dia 15, eles se articulam para acampar no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, entre esta quarta e quinta (21). O objetivo é reivindicar a derrubada do marco temporal que, se aprovado, dificultará a titulação de territórios dos povos originários no país. Um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) estima que a aplicação da tese ruralista afetaria 90% das mais de 200 terras indígenas que estão em processo de demarcação.
Centenas de grupos indígenas foram expulsos de forma violenta de seus territórios, principalmente no período da ditadura civil-militar, que antecedeu a Constituição Federal. Com o marco temporal, a avaliação é que elas perderão o direito à terra. Não à toa, a análise da tese no STF é considerada como o “julgamento do século” por definir o futuro das TIs.
Histórico do julgamento
Na Corte, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) movida pelo governo de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e os indígenas Xokleng. Ainda em 2017, o Estado passou a reivindicar parte da terra Ibirama-La Klãnõ, no Alto Vale do Itajaí, habitada também por povos Guarani e Kaikang. Há quatro anos, a ação ganhou status de repercussão geral no STF. Ou seja, a decisão referente ao caso catarinense terá efeitos vinculativos para todos os processos similares.
O julgamento, no entanto, só teve início em 2021, quando o relator do recurso, ministro Edson Fachin, votou contra a tese ruralista. Na ocasião, Fachin defendeu que não havia “segurança jurídica maior do que cumprir a Constituição”. “Autorizar, à revelia da Constituição, a perda da posse das terras tradicionais por comunidade indígena significa o progressivo etnocídio de sua cultura, pela dispersão dos índios integrantes daquele grupo, além de lançar essas pessoas em situação de miserabilidade e aculturação. Seria negar-lhes o direito à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”, destacou.
No mesmo ano, contudo, o julgamento foi suspenso, e o marco temporal só foi reconhecido novamente como inconstitucional neste ano pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, o último a votar no dia 31 de agosto. “Eu deduzo da decisão referente a Raposa Serra do Sol a perspectiva de que não existe um marco temporal fixo e imutável. E que a ocupação tradicional pode também ser comprovada através da persistência na busca pela permanência na região, por meio de diferentes mecanismos”, comentou Barroso.
Expectativa é positiva
Por falta de tempo, a sessão foi suspensa pela presidenta do STF, Rosa Weber. Ela será retomada nesta quarta sob a expectativa positiva de povos indígenas de um desfecho favorável. Ainda faltam votar Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. E os únicos votos favoráveis são dos dois indicados ao Supremo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): André Mendonça e Nunes Marques.
“Estamos cada vez mais otimistas. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), por meio do jurídico, coordenações, comunicação e bases, tem trabalhado incansavelmente para que essa tese ruralista seja derrubada de uma vez por todas. Vamos continuar com os nossos cantos e rezas e a força do movimento indígena que irá permanecer mobilizando em todos os cantos do país”, afirma o coordenador executivo da Apib pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Kleber Karipuna.
Lideranças da Apib também dão como certo os votos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia contra o marco temporal. Se confirmado, a Corte formaria maioria para derrubar o parecer ruralista.
Legislativo x Judiciário
Por outro lado, o período em que o julgamento ficou parado no STF, permitiu com que parlamentares ligados aos interesses do agronegócio avançassem com o tema na Câmara. Em maio, o Projeto de Lei (PL) 490, que legitima o chamado marco temporal, foi aprovado em regime de urgência com o apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
No Senado, o PL, porém, tramita de forma regular, passando por todas as comissões. Mas é também defendido por senadores ruralistas, como Marcos Rogério (PL-RO), relator da medida, e a ex-presidenciável Soraya Thronicke (Podemos-MS). De acordo com informações do Brasil de Fato, eles articulam para colocar o texto em votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) também nesta quarta, apesar do tema ser analisado pelo STF. Para juristas, valerá a interpretação do Supremo para regular o tema.
Por outro lado, os povos indígenas também se preocupam com uma possível indenização a fazendeiros. A medida foi proposta por Alexandre de Moraes. Para o ministro, os fazendeiros que se consideram proprietários legítimos de terras indígenas podem ser indenizados integralmente pela desapropriação. O que, na prática, poderia travar as demarcações. O entendimento foi respaldado pelo voto de Zanin. Mas o ministro Barroso rejeitou a proposta. De acordo com ele, a modalidade de indenizações não é objeto da ação analisada.