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Lei do marco temporal pode barrar demarcação da terra indígena Guasu Guavirá, no oeste do Paraná

"É como se fosse uma lei de extermínio de povos", diz cacique sobre marco temporal - Paulo Porto

Ruralistas e empresários têm feito pressão para que o ‘marco temporal’ seja aplicado para barrar a demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá, que abrange os municípios de Guaíra, Terra Roxa e Altônia, no oeste do Paraná.

No dia 15, decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, suspendeu sentenças que impediam a demarcação. Após a decisão do ministro, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) informou que irá retomar o processo de demarcação.

Em reação, empresários, comerciantes e ruralistas da região fizeram audiência pública com parlamentares e autoridades, no dia 17, exigindo que o marco temporal seja cumprido. Eles alegam que a população indígena não estaria nas terras em 1988. Aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada em outubro de 2023, a Lei do marco temporal estabelece que só podem ser demarcadas terras que já estivessem ocupadas por indígenas no ano da promulgação da Constituição Federal (1988).

Entre os participantes da audiência estavam o líder do governo Ratinho Júnior na Assembleia Legislativa do Paraná, Hussein Bakri (PSD); o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP); e o Secretário de Segurança Pública do Estado do Paraná, Coronel Hudson Teixeira.

“Lei de extermínio”

A região da Terra Indígena Guasu Guavira vem passando por uma escalada de violência: de ameaças armadas contra os indígenas, até atentados de fato, como o que aconteceu no dia 10 de janeiro, que deixou três indígenas feridos e motivou a intervenção da Força Nacional de Segurança no território.

O cacique Ilson Soares, da Tekohá Yhovy, aponta que só a demarcação das terras pode solucionar a violência contra indígenas na região. “Quanto mais tempo demora, mais conflito temos, mais risco de vida pra nós”, afirma.

Ele explica também que há uma invisibilização histórica em relação aos indígenas da região, que são chamados pelos brancos de “paraguaios”. “Nossa existência é de muito antes de 88. Já os políticos e fazendeiros estão sobre terras compradas ainda na colonização. As terras foram vendidas com indígenas dentro, que foram obrigados a trabalhar pra eles até a morte por exaustão e fome; outros foram expulsos e se espalharam e não tiveram direito nenhum”, narra Ilson.

O marco temporal, na visão do cacique, dá o amparo legal para que mais violência seja perpetuada contra a população indígena. “É como se fosse uma lei de extermínio de povos. Não é só contra os Guarani do oeste do Paraná, mas também, com esses argumentos, eles vêm matando e atacando povos indígenas em todo o Brasil”, pontua.

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Terras ocupadas há 4 mil anos

De fato, registros históricos corroboram a fala do cacique Ilson Soares e apontam que a existência indígena na região é milenar. O doutor em História e professor de História Indígena da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Clovis Antonio Brighenti, chama a região de “berço do povo Guarani”.

Ele explica que a ocupação indígena na região chamada de “Alto Paraná”, às margens do Rio Paraná, data de cerca de 4 mil anos. Segundo o professor, registros arqueológicos mostram que a migração de povos chamados “proto-Guarani” e outros Tupi-Guarani da região amazônica fez o curso de descida da calha dos rios até o litoral brasileiro.

“E os que hoje conhecemos como Guarani saem dessa rota migratória e sobem a calha dos rios, descem a bacia do Prata e se estabelecem aqui nessa região [oeste do Paraná]. Se há um povo originário dessa região, é o povo Guarani. É aqui que ele surge como povo, como cultura, como cultura material”, pontua.

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Da colonização ao século 20

De acordo com o professor, é possível elencar ainda registros de ocupação indígena na região em diferentes períodos históricos. No período colonial, a Ciudad Real del Guayrá foi fundada em região de ocupação Guarani, em 1580. Algumas décadas depois, eram fundadas reduções jesuítas ao redor da cidade. Na década de 1630, cerca de 12 mil indígenas saíram de duas reduções ao norte do que hoje é a cidade de Guaíra, fugindo de bandeirantes paulistas.

Avançando no tempo, no século XIX, após a guerra entre Brasil e Paraguai, o governo brasileiro faz concessões para empresas explorarem a região. Uma dessas concessões, que são conhecidas como “obragens”, foi para a Mate Laranjeira, que explorava erva mate não só no Paraná, mas também em parte do Mato Grosso do Sul.

“Ela utilizava o rio para exportar a erva mate para Argentina e Uruguai. E a mão de obra utilizada era Guarani. No início do século XX, tem a coluna Prestes, que, quando passa pela região, tem confronto com uma dessas obragens, porque mantinham Guaranis como escravos. Eles entram em confronto, ateiam fogo nas instalações das obragens e libertam os Guaranis dessas fazendas. Temos documentos e memória oral dos Guarani sobre esses acontecimentos”, explica Clovis.

“Sarambi”, o esparramo

A construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, na década de 1970, segundo o professor, foi um marco divisor na história do povo Guarani da região oeste do Paraná. Primeiro, porque inundou aldeias de forma irrecuperável. Segundo, porque levou o capital à região. Com os grandes investimentos, veio também a limpeza étnica.

“O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], a Funai faziam a ‘faxina’, limpavam os Guarani da região para não deixar a imagem ruim para o capital. Tem vários relatos de famílias que foram removidas, expulsas, fora aquilo que os Guarani chamam de sarambi, o esparramo geral por conta da própria represa. A insegurança, o medo do que viria acontecer fez com que a população se dispersasse por toda a região”, conta Clovis.

Diante do panorama histórico da ocupação Guarani no oeste do Paraná, o professor chama o marco temporal de “cruel”, uma vez que a população indígena esteve ininterruptamente na região. Em suas palavras, usar a lei para impedir a demarcação, agora, é perpetuar uma violência histórica.

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