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Indígenas krahô protagonizam “A flor do buriti”, que estreia hoje em BH

Premiado em Cannes, "A flor do buriti" tem os indígenas krahô como protagonistas e coautores do roteiro. Crédito: Embaúba Filmes/divulgação

A cineasta Renée Nader Messora teve o primeiro contato com o povo krahô em 2010, no Norte do Tocantins, ao acompanhar um amigo antropólogo e o pequeno grupo que foram à aldeia registrar a festa de fim de luto por um líder indígena. Ali se iniciou a relação que rendeu, em 2018, o filme “Chuva é cantoria na aldeia dos mortos” e agora “A flor do buriti”, que estreia nesta quinta-feira (4/7), com sessão especial no Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Em ambos, Renée divide a direção com João Salaviza. Para realizar “A flor do buriti”, exibido em mais de 100 festivais pelo mundo e vencedor de 14 prêmios – inclusive na mostra “Un certain regard” do Festival de Cannes –, a dupla passou 15 meses com os indígenas em quatro aldeias. Desde 2010 Renée vem realizando diferentes ações com os krahô em torno da linguagem audiovisual.

“Em 2013, acabei atuando num projeto longo, que durou o ano todo, na escola indígena da aldeia. As pessoas com quem trabalhamos nos dois filmes tiveram alguma relação com esse coletivo”, diz, aludindo, principalmente, a Ilda Patpro Krahô, Francisco Hyjnõ Krahô e Henrique Ihjãc Krahô. Além de protagonizarem “A flor do buriti”, eles são coautores do roteiro.

Obra aberta

João Salaviza observa que o longa não se deu a partir de um texto fechado. “A questão da terra é a espinha dorsal. Propusemos a nossos amigos na aldeia trabalharmos a partir desse eixo, imaginar um filme que pudesse viajar pelos tempos, pela memória e pelos mitos, mas que, ao mesmo tempo, fosse uma construção em aberto enquanto fôssemos filmando. A narrativa foi sendo criada com a Patpro, o Hyjnõ e o Ihjãc”, explica.

Não há história predeterminada, mas pontos de partida. Um dos motes foi o massacre ocorrido em 1940, praticado por dois fazendeiros da região, que resultou na morte de dezenas de integrantes da comunidade. O crime ainda hoje ecoa na memória das novas gerações. Renée conta que a dupla pensou em abordar o episódio em “Chuva é cantoria na aldeia dos mortos”, mas entendeu que a história que não pertencia àquele filme.

“Ficou pulsando o desejo de retomar isso. Em 2019, em um grande encontro na aldeia de Pedra Branca, eles tiveram a possibilidade de pensar sobre o que foi aquela experiência traumática, refletir sobre suas consequências. Percebemos a preocupação do Hyjnõ com a segurança da comunidade. Isso foi criando um suporte, uma base sobre a qual o filme iria deslizar, fincar raízes e encontrar suas bifurcações”, explica Renée.

Ficção e documentário

O massacre atravessa a narrativa, mas apenas como registro de memória. “Filmar o episódio era um grande dilema. Se por um lado é uma história que deve ser contada, por outro não nos interessava produzir imagens que perpetuassem uma violência. Percebemos que a única forma de abordar o assunto era a partir da memória compartilhada, a partir de relatos, do que ainda perdura no imaginário coletivo”, pontua.

“Chuva é cantoria na aldeia dos mortos” e “A flor do buriti” se relacionam enquanto modelo de produção, ao buscarem captar a intimidade daquele povo a partir da afinidade. “Os dois filmes fazem o exercício de transitar entre a ficção e o documentário sem estabelecer uma forma fílmica que seja uma coisa única. Cada sequência tem de encontrar sua forma. Isso vai se dar no diálogo com quem a gente está filmando e a partir das necessidades da aldeia”, ressalta.

Ilda, Francisco e Henrique interpretam a si mesmos, mas pela chave da ficção. O que fazem diante da câmera são coisas que entendem, conhecem e realizam no dia a dia.

“O jeito de trabalhar é entendendo como eles querem participar, como querem se mostrar, porque nem sempre eles querem se mostrar como são. Aí, sim, há um jogo de ficção”, diz Renée, exemplificando com a cena do ritual de cura. “Aquilo é uma invenção, não como acontece de fato. Eles se apropriam da ficção para se proteger”, aponta.

Alianças e mediação

João Salaviza ressalta que o cinema é apenas a parte mais visível da relação da dupla com os indígenas. “O desejo de estar junto dos krahô vai muito além do cinema. Quando terminamos ‘Chuva é cantoria na aldeia dos mortos’, foi uma supresa para eles entender a potência do filme, as alianças que ele possibilita. Então pensamos em fazer mais. ‘A flor do buriti’ era um desejo nosso de cinema, mas também um entendimento deles de problematizar um contexto”, diz.

Esse contexto inclui a pandemia e o governo Bolsonaro, com violências históricas se repetindo. “Sentimos riscos ao tocar em alguns assuntos, como o roubo de animais silvestres e a extração clandestina de madeira”, revela o cineasta. Porém, o maior desafio foi estar à altura da confiança dos krahô. “Somos dois diretores não indígenas fazendo um filme com e para eles, mas que fosse capaz da mediação com o mundo de fora”, destaca.

“A FLOR DO BURITI”

Brasil/Portugal, 2024 Direção: João Salaviza e Renée Nader Messora. Sessão especial nesta quinta-feira (4/7), às 19h, no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes), seguida de debate com os diretores e o produtor Ricardo Alves Jr. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Entra em cartaz na sala 1 deste espaço, às 19h50 (exceto hoje e 8/7). Exibição também na sala 3 do UNA Cine Belas Artes (Rua Gonçalves Dias, 1.581, Lourdes), às 18h10.

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