Indígenas pataxó residentes da Aldeia Comexatibá denunciam a invasão e degradação do território onde vivem na região de Prado, no extremo sul da Bahia. Segundo relatos de uma liderança, o conflito é contra pessoas que afirmam ser proprietárias dos terrenos e promovem o desmatamento para dar início a construção de condomínios na localidade.
No último dia 21 de outubro, mulheres indígenas da etnia começaram uma campanha de autodemarcação após um conflito com um homem que afirma ser o proprietário das terras. Segundo o relato, a confusão teria se iniciado após as indígenas se depararem com uma depredação no local, que faz parte do território indígena, ainda em processo de reconhecimento.
“Encontramos a máquina parada, o rapaz tinha saído para almoçar, um cajueiro antigo no chão e várias outras árvores menores. Ficamos lá aguardando ele. Ao chegar, ele falou que tinha autorização para abrir uma estrada. Então, falamos para ele que a máquina estava apreendida e que ele não ia continuar o trabalho, [pedimos] que ele chamasse o patrão”, conta. Além da árvore, a mulher afirma ter encontrado a área com bastante lixo, uma carvoaria e animais com sinais de maus-tratos.
O Instituto Chico Mendes (ICMBio/MMA) foi acionado e esteve no local para notificar o desmatamento. O ICMBio informa, em nota, que, no dia 22 de outubro, apreendeu uma retroescavadeira na terra indígena. “Ao chegar ao local, a fiscalização identificou que a infração ocorria em uma área em estágio de regeneração, onde algumas espécies arbóreas, como caju, biriba e aroeira, foram derrubadas, totalizando 200 m² de vegetação afetada”, diz. A infração foi notificada e direcionada ao “responsável pela ilegalidade, identificado como posseiro do Projeto de Assentamento Cumuruxatiba, sobreposto à Terra Indígena”.
“Além disso a fiscalização identificou no local depósito de resíduos, além de indícios de atividade carvoeira e possível crime de parcelamento de solo. Uma notificação foi lavrada para que o responsável prestasse esclarecimentos”, completa a nota.
O conflito, além de criar uma insegurança, tem alterado a rotina dos indígenas da aldeia, que precisaram interromper e suspender atividades essenciais. “A gente vive basicamente da agricultura familiar e do turismo, que a gente teve que parar”, relata.
As polícias Civil e Militar foram contatadas pelo CORREIO, mas informaram que a ocorrência não foi localizada. A reportagem também entrou em contato com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), visto que os relatos apontam que há um assessoramento do órgão aos indígenas, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.
Histórico de conflito
De acordo com a moradora, o conflito não se iniciou agora: a situação já vem se estendendo há pelo menos um ano. Áreas de vegetação com mangabeiras e aroeiras já haviam sido supostamente devastadas para criar pastos. Aldeia vizinhas como Pequi, Gurita e Kay já foram afetadas. Dessa vez, o espaço daria lugar a lotes de condomínio, segundo a indígena.
“Em outras aldeias eles já tomaram boa parte e os condomínios estão avançando, só que aqui na Tibá nós não vamos permitir. Até então eles viviam sossegados dentro das áreas do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que é sobreposto ao nosso território, mas lotear para fazer condomínio nós não vamos aceitar, principalmente porque estão destruindo tudo”, crava.
O Incra informa que ainda não houve publicação de portaria para instituir o território indígena de Comexatibá. Apenas após emissão do documento, a área demarcada, que já possui relatório antropológico concluído, será oficialmente destinada aos indígenas. “Se houver assentamento dentro do perímetro deste TI, após a publicação da portaria de criação – o que o oficializa – o Incra fará a desintrusão das famílias, ou seja, as reassentará em outra área”.
“Nós precisamos agora cuidar daquilo que foi destruído, mas para isso, a gente precisa ter segurança. É impossível fazer alguma coisa enquanto tem homens armados de todos os lados tentando nos matar”, lamenta a líder pataxó.
Em setembro de 2022, a Delegacia Territorial de Prado registrou a morte de Gustavo Conceição da Silva, de 14 anos. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o jovem foi morto durante a invasão do Território Indígena Comexatibá por um grupo de pistoleiros, com ao menos cinco homens armados com armas calibre 12, 32, fuzil ponto 40 e bomba de gás lacrimogêneo. No conflito, os invasores ainda alvejaram outro adolescente, com um tiro no braço e outro de raspão.
Em janeiro de 2023, os Pataxós Samuel Cristiano do Amor Divino, de 21 anos, e Nauí Brito de Jesus, de 16 , foram mortos a tiros quando estavam a caminho de uma das fazendas ocupadas por um grupo indígena no processo de retomada de território pelos povos Pataxós, em Itabela. “As mortes de Nauí, Samuel e Gustavo não foram em vão. Nós vamos continuar lutando por justiça e não existe justiça maior do que a demarcação do nosso território”, afirma a indígena. O Território possui 16 aldeias, mas delas nenhuma é demarcada.