Nas últimas eleições, apenas nove indígenas foram eleitos, dos 164 que se candidataram a cargos políticos, cerca de 0,62% das candidaturas. Uma delas foi a deputada federal Célia Xakiabá (PSOL-MG). A parlamentar reconhece que parte desse problema se dá em razão da falta de incentivos a candidaturas indígenas e defende a adoção da medida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como passo inicial para diminuir tal discrepância.
Na Câmara, cinco deputados se autodeclaram indígenas: Silvia Waiãpi (PL-AP), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Paulo Guedes (PT-MG), Juliana Cardoso (PT-SP) e Sônia Guajajara, hoje ministra dos Povos Indígenas. No Senado, identificam-se como indígenas General Mourão (PL-RS) e Wellington Dias, que atualmente é ministro de Desenvolvimento e Assistência Social. Para o legislativo estadual, apenas dois: India Armelau (PL-RJ) e Capitão Assumção (PL-ES).
Diante da baixa representatividade indígena no Parlamento, a deputada realizou, no início deste mês, consulta ao Tribunal Superior Eleitoral para discutir políticas de incentivo, sobretudo em relação à distribuição de recursos do Fundo Partidário e cotas mínimas de tempo de rádio e televisão. Além da parlamentar, representantes da Procuradoria-Geral Eleitoral e do Ministério dos Povos Indígenas também se manifestaram.
Durante a audiência pública presidida pelo ministro Nunes Marques, do TSE, propôs-se que os povos originários também sejam contemplados pelos mesmos critérios de distribuição de recursos que candidatos dentro das cotas de gênero e raça.
Esses direitos estiveram em pauta na minirreforma eleitoral, que previa, entre outras propostas, a flexibilização do uso de recursos para campanhas femininas, com a abertura de brechas para que os recursos fossem usados em despesas de candidatos. O Senado, no entanto, não apreciou o projeto em tempo hábil para ser implementado nas eleições municipais de 2024.
“Pensar um Brasil que caminha para frente, um Brasil do futuro, para mim, é um projeto anticivilizatório se não existir a presença de nós, povos indígenas”, discursou Célia Xakriabá. “A Bancada do Cocar é um resultado também das candidaturas indígenas, mas mesmo assim nós não temos presença de deputadas. Quando falamos do racismo da ausência, também existe o racismo da solidão. Eu não quero estar sozinha no Congresso Nacional ou somente com duas mulheres indígenas”.
A deputada explicou ao Congresso em Foco que a representatividade política é fundamental para resistir a projetos que minam os direitos indígenas, como o marco temporal, projeto aprovado no Senado, sancionado com vetos pelo presidente Lula. “Para mim, um dos dias mais difíceis, mais do que [a votação do PL] 490 na Câmara dos Deputados, foi no Senado. Nós sequer tínhamos o direito de falar, de pegar o microfone. Não é sobre pensar a defesa para os povos indígenas, mas é ter um indígena também fazendo essa defesa, porque nós fazemos de maneira aguerrida e consistente”.
Indígenas no Parlamento
Um tema comum na discussão acerca da representatividade política indígena no país é o atraso em integrar os povos originários no processo político brasileiro. O primeiro deputado federal indígena foi Mário Juruna. O parlamentar venceu o pleito em 1983, pelo estado do Rio de Janeiro. Só depois de 36 anos do mandato de Juruna, em 2019, Joênia Wapichana se tornou a primeira mulher indígena na Câmara dos Deputados, representando Roraima. Atualmente, ela é presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Wapichana, inclusive, esteve presente na audiência pública no Tribunal Superior Eleitoral. Assim como Xakriabá, a presidente da Funai alertou para a exclusão dos direitos civis e políticos dos povos indígenas. “É essencial que os povos indígenas tenham condições de participar do processo eleitoral, desde o acesso à documentação civil básica como também propiciar que eles realizem as suas campanhas políticas e discussões em demais espaços. Existem realidades geográficas e étnicas no Brasil que nos impõem dificuldades de acesso, inclusive para exercer os direitos civis, políticos e a nossa cidadania.“
Além da pouca representatividade de indígenas no Congresso Nacional e em outras esferas do poder público, outro problema sério é a violência política de gênero e étnica. “Eu fui muitas vezes vítima de racismo quando exerci meu mandato parlamentar. Foi muito forte para mim, porque a forma que a gente leva o jeito indígena para exercer o mandato é diferenciado, acolhe a coletividade, que vê superar muitos anos de discriminação”, confessou Joênia Wapichana.
A violência sofrida pela presidente da Funai no Parlamento também acontece com candidatos ainda em suas campanhas. A ativista e candidata a deputada federal em 2022 pelo Amazonas Vanda Witoto possui em suas origens marcas de resistência. O clã Witoto, do qual ela faz parte, precisou fugir da Colômbia para o Brasil, nos anos 1930, em razão da perseguição que a etnia sofria dos seringueiros da região. A resiliência histórica também esteve na campanha de Vanda que revelou, em entrevista ao Congresso em Foco, os desafios de enfrentar violências, xingamentos e ameaças no palanque.
“A minha primeira experiência foi marcada por muita violência política no estado. A gente já vive a violência como mulher indígena, mas também como candidata. O meu pai até me pediu para desistir por conta das violências”, disse Vanda Witoto. “Ainda existe um coronelismo às margens dos rios. Não é um lugar seguro para uma mulher indígena fazer caminhadas políticas. É um risco para nossas famílias”.
A ativista afirmou que outra dificuldade foi estruturar a candidatura, uma vez que, para ela, “as estruturas políticas do Amazonas são dominadas por homens brancos”. Ainda assim, ela conseguiu se filiar à Rede Sustentabilidade, inclusive foi a prioridade do partido no estado, recebeu 750 mil reais do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e angariou 25.545 votos no pleito.
Por fim, ela reforçou a necessidade de eleger uma representação política indígena no Amazonas. O estado, mesmo concentrando o maior número de indígenas do país, 490.854, de acordo com o último censo, nunca elegeu um parlamentar pertencente aos povos originários. Vanda Witoto explica que a necessidade em ocupar o espaço político surge também pela falta de garantia de direitos: “Pensar o espaço político faz parte de um processo de ausência do Estado na garantia de direitos dessa população”.