O documentário “O Marco Zero é Indígena, e o Futuro Também”, projeto realizado com recursos da Lei Paulo Gustavo Araucária, terá exibição pública gratuita no mês de novembro. Indicado para todas as idades, o filme apresenta uma parte da história da cidade que não aparece nos livros e fala de um passado que se faz presente no cotidiano e na identidade dos araucarienses.
O documentário revela uma pesquisa sobre os resquícios arqueológicos que atestam a presença contínua das comunidades indígenas no território de Araucária. Com uma narrativa que transita entre o documental e a imaginação histórica, o filme desafia o discurso embranquecido e o racismo que ainda cercam os povos originários. A obra explora a luta pela permanência e a reivindicação de um presente ancestral, contrapondo-se ao medo e à violência sofridos ao longo da história. Com vozes que ecoam tradições e resistência, o filme nos convida a escutar os passos ancestrais que reverberam em nossas terras.
Jandaira dos Santos Moscal, na sua resenha crítica, diz que o documentário é um retrato da sua cidade, mas poderia ser de qualquer outra cidade do país, pois o Brasil é Terra Indígena! “Quem sou eu para fazer a crítica de um filme? Graduada em Engenharia Florestal, Mestre em Geografia e Doutoranda em Sistemas Costeiros e Oceânicos, os títulos até podem aparentar certa importância, mas nas artes? Porém, sou nascida em Araucária, criada na terra dos pinheirais, com um estereótipo que não deveria causar estranheza, ou provocar exotismo, como muitas vezes ouvi referências a minha aparência, mas foi assim que me vi por um bom tempo, não pertencente ao lugar de origem. E um adendo: integro a família envolvida na produção desse retrato tão caro, a nossa cidade, não à toa o privilégio de ver em primeira mão, o que não me exime de olhar com a visão de espectadora, haja visto não ter participado diretamente da concepção. Dito isso, vou acreditar que tenho propriedade para escrever o que segue nas próximas linhas. O filme ‘O Marco Zero é Indígena e o Futuro Também’ é uma produção que, ao meu ver, traz o contraponto audiovisual dos habitantes que deram origem à ocupação da então Tindiquera. Na verdade, traz evidências de povos pretéritos aos ‘muitos tinguis (tupis guaranis)’ através de escavações na região do rio Passaúna, berço da cidade símbolo do Paraná segundo os escritos, vide relatos de Ruy Wachowicz sobre a colônia Thomaz Coelho. Mas no filme, a linguagem é oral e material, e através de vestígios desses povos, e não de grafismos da história contada na perspectiva eurocêntrica”, afirma.
Jandaira prossegue: “A produção é bastante cuidadosa nos elementos que traz para tecer a configuração da sociedade que formou o território onde hoje política e administrativamente está o município de Araucária, e que não por acaso, teve sua história apagada da memória dos cidadãos, já que essa população era, e ainda é considerada ‘atrasada’ pelo modelo desenvolvimentista instaurado na cidade da refinaria Getúlio Vargas, símbolo da industrialização e do progresso, onde os coletores-caçadores não tem vez. A escolha por trazer informações arqueológicas, biológicas e antropológicas, com destaque a este que é expresso com lugar de fala pela primeira arqueóloga indígena da região sul do Brasil, traz ao público um leque de opções para entender, indagar, repensar e/ou imaginar uma conformação diferente da pregada pelo status quo de Araucária. Toponímia indígena esta que dá nome à imponente e ancestral árvore que simboliza a identidade do sul do Brasil, em especial do Paraná, e que, de acordo com estudos arqueológicos, a disseminação dessa floresta passou por mãos indígenas do povo Jê, Kaingangs e Laklãnõ/Xokleng, hoje ambos (araucária e indígenas) reduzidos a pontos no ‘mapa do estado do agronegócio’”, descreve.
A mestre em Geografia ainda destaca que “no início do filme, ouvimos a pequena Catarina (licença aqui para parabenizar essa pequena maravilhosa e seus pais de igual qualidade), falar que em 2024 Araucária fez 134 anos e questionar se essa é mesmo a idade desse lugar. Ao longo do filme, é possível perceber que assim como no Brasil, Araucária é terra indígena! Talvez o espectador sinta falta de uma conexão mais explícita entre os relatos contidos no filme, uma declaração taxativa de que os povos originários dessa terra são de determinada etnia, porém não há dúvidas na materialidade dos artefatos, na influência linguística relacionadas aos rios, montanhas, animais que aqui coexistem. Como esse escrito não tem pretensão de julgar aspectos técnicos da produção e sim descrever o sentimento de quem espera a contação dessa história há 44 anos para a quebra da estranheza de crescer vendo homenageados povos que não remetem a minha identidade, afirmo que esse filme é um ponto de inflexão na vida daqueles que não se veem refletidos no quadro pintado historicamente e politicamente a respeito de Araucária, e espero que nos demais também. Meu máximo respeito e admiração à família que me traz a oportunidade de me reafirmar e ainda poder registrar parte da minha história. Seguimos em luta!! Sempre em frente!!!”.
Nayamim dos Santos Moscal também em sua crítica, afirma que é a hora e a vez de recontar a história de Araucária, terra dos briosos tinguis! “Na escola, aprendi isso com o hino da cidade. Mas sempre de modo a marcar a distância entres estes povos e nós. A minha surpresa ao assistir ao filme é que a pesquisa sobre estes povos que ocuparam nossa região não é recente, desde a década de 1980 o prof. Igor Chymz estuda os sítios arqueológicos de Araucária. A historiografia apenas seguiu o padrão de contar o passado a partir da perspectiva eurocêntrica. Cida Bento, em seu livro Pacto da branquitude, diz que não é que os brancos façam reuniões matinais para manter seus privilégios racistas, mas o fato é que o que predomina, não só nos livros, mas na narrativa e cultura locais é que Araucária começa com a imigração europeia. A mim interessa e muito saber e aprender mais sobre a presença indígena na região onde nasci e cresci. Sempre me perguntei como os indígenas enfrentavam o frio da nossa região, hoje aprendi sobre as casas subterrâneas. O genocídio e o epistemicídio nos impediram de estabelecer uma identidade indígena como araucarienses, mas através do trabalho dos pesquisadores deste filme podemos hoje começar a recontar a nossa história. A menina que fui adoraria fabular sobre uma possível ancestralidade tingui”.
Confira a ficha técnica do documentário ou obtenha mais informações na página do Instagram @omarcozeroeindigena.
Datas das exibições
03 de novembro – Teatro da Praça, às 15h.
09 de novembro – Espaço CEU, às 15h.
04 de novembro – Oficina de Educação Patrimonial no Anfiteatro do Museu Tindiquera (manhã e tarde)
*Exclusiva para profissionais da Secretaria de Educação.
Edição n.º 1438.