Começa hoje a Cúpula da Amazônia, que reúne em Belém (PA) chefes de estado e representantes do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, com o intuito de renovar o Tratado de Cooperação Amazônica e fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) entre os países.
Durante dois dias, as nações vão elaborar uma abordagem consolidada para reconstruir mutuamente políticas públicas que protejam a floresta amazônica e suas populações, reduzam o desmatamento e promovam o desenvolvimento sustentável em toda a região.
A formação de um Parlamento Amazônico, com a participação de todas as nações que compartilham o bioma, deverá constar do documento final. Lula pretende apresentar o acordo conjunto na COP28, que acontece nos Emirados Árabes Unidos em novembro.
O compromisso entre os países amazônicos de trabalhar juntos para lidar com questões urgentes sobre as florestas tropicais é considerado um passo crítico no debate climático global em torno de emissões de gases tóxicos e desmatamento. “A Bacia Amazônica é compartilhada por nove países e requer ações integradas para a conservação ambiental na região”, disse Antonio Oviedo, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), à Mongabay.
Antes do evento, de 4 a 6 de agosto, mais de 5 mil pessoas participaram dos Diálogos Amazônicos, incluindo representantes de comunidades indígenas, movimentos sociais, centros de pesquisa e órgãos governamentais. Segundo nota do governo, seu objetivo é “levar a voz dos povos da região” aos chefes de estado para ajudar a orientar as estratégias traçadas durante a Cúpula da Amazônia. No entanto, organizações indígenas dizem que isso não é suficiente.
“Mais uma vez nos deparamos com debates e construção de propostas sobre nossos territórios sem a nossa participação garantida”, segundo carta conjunta assinada por diversas organizações e entidades indígenas amazônicas. “Discutir o futuro da Amazônia sem os povos indígenas equivale a violar nossos direitos originários e todo o trabalho que fazemos pela vida humana no planeta.”
Em entrevista à agência de notícias italiana Ansa, reproduzida no UOL, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse que “é preciso aumentar bem a participação indígena nesses processos de discussão da proteção da Amazônia e nos espaços de tomada de decisão. É preciso aumentar bem a participação indígena”.
No entanto, especialistas e conservacionistas esperam que os presidentes que se encontram na cúpula coloquem os povos indígenas no centro da formulação de políticas. “Os povos indígenas e as populações tradicionais têm um papel importante na conservação da Amazônia e esperamos que a Cúpula da Amazônia reforce isso e oriente as políticas públicas dos países para a conservação e a garantia de direitos humanos e territoriais para essas populações”, disse Oviedo.
Entre as propostas apresentadas durante as sessões dos Diálogos Amazônicos há um chamado de organizações indígenas de toda a região para que 80% da Amazônia seja protegida até 2025, o que inclui a demarcação de 100 milhões de hectares de territórios indígenas para ajudar a proteger 255 milhões de hectares de áreas prioritárias não designadas. “O extrativismo não é o caminho; os povos indígenas estão propondo uma alternativa tangível para preservar o planeta”, disse Fany Kuiru, coordenadora-geral da Confederação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, em comunicado à imprensa.
Forjando laços transnacionais
A cúpula busca fortalecer a colaboração entre os países amazônicos, que historicamente tem sido fraca. Lula já começou a preparar o terreno nos últimos meses, descongelando as relações entre Brasil e Venezuela depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro cortou relações diplomáticas com o presidente Nicolás Maduro.
“Aqui está uma oportunidade para esses países encontrarem mecanismos de cooperação, integração e colaboração, para proteger efetivamente não só a floresta, mas, sobretudo os povos e comunidades que vivem e dela dependem”, disse à Mongabay Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil de Clima, Florestas e Agricultura e diretor de políticas públicas e florestas da organização sem fins lucrativos BVRio.
A cúpula provavelmente produzirá um roteiro para lidar com a presença cada vez mais poderosa do crime organizado, especialmente na área da tríplice fronteira entre Colômbia, Brasil e Peru. “Um dos maiores problemas que esses países enfrentam há muito tempo é a questão do crime organizado”, disse Aiala Colares Couto, geógrafa e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, à Mongabay. “É preciso unificar a agenda e criar uma perspectiva de enfrentamento conjunto.”
A bioeconomia e o desenvolvimento sustentável também estarão em pauta. André Corrêa do Lago, secretário de Clima e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, disse ao jornal Valor Econômico que a Amazônia “não pode ser reduzida à sua importância para a biodiversidade e as mudanças climáticas” e que “desempenhará um papel muito importante ” na bioeconomia.
Especialistas esperam que a cúpula resulte em um plano de ação para desenvolver de forma sustentável toda a região amazônica. Após a reunião do G7 realizada no Japão em maio, Lula enfatizou a importância de garantir a vida dos 47 milhões de pessoas que vivem na região, encontrando formas de explorar de forma sustentável a floresta tropical, em vez de transformá-la em um “santuário”, segundo declaração do governo.
Mais de 300 especialistas de pelo menos cem organizações sul-americanas elaboraram um documento solicitando aos chefes de estado na Cúpula da Amazônia que desenvolvam estratégias para uma bioeconomia inclusiva e melhores condições de vida e trabalho para os povos da floresta. Entre as 31 recomendações para criar uma bioeconomia sustentável estão a ampliação dos direitos das comunidades indígenas e tradicionais, a proteção de seus territórios e o envolvimento ativo da sociedade civil nas discussões amazônicas.
“A próxima década definirá se a Amazônia pode continuar com o mesmo perfil econômico ou se tornar o catalisador de uma nova economia baseada em florestas e rios preservados para seu povo e para o mundo”, diz o documento, que será enviado aos presidentes da OTCA.
Especialistas alertam que qualquer que seja o resultado da cúpula, o acordo precisa ser apoiado também pela sociedade civil e organizações. “Não serão apenas os governos que darão soluções. É fundamental que o setor privado também esteja comprometido com a proteção e recuperação da Amazônia”, disse Mesquita. “E que eles também não apenas cumpram a lei, mas criem incentivos que vão muito além de suas obrigações legais para que possamos ganhar escala.”