A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) apoiou a realização de uma assembleia que reuniu educadores, lideranças tradicionais e representantes da comunidade para debater os rumos da educação escolar indígena no território Potiguara, localizado no estado da Paraíba. O evento ocorreu no dia 23 de maio, na Escola Pedro Poti, no município de Baía da Traição. Os participantes apontaram a necessidade de medidas para assegurar o direito dos povos indígenas à educação específica, diferenciada e bilíngue, conforme previsto na Constituição Federal, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em normativas do Ministério da Educação (MEC).
Entre os pontos defendidos por educadores da Assembleia da Organização dos Professores Indígenas Potiguara da Paraíba (OPIP), que promoveu o evento, está a criação do Núcleo de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado da Educação da Paraíba (NEEI/SEDUC-PB), diretamente vinculado à Secretaria Executiva de Gestão Pedagógica. Eles argumentam que a criação do NEEI é essencial para garantir espaços permanentes de consulta, planejamento e gestão da política educacional indígena no estado, permitindo a formulação do Plano Estadual de Educação Escolar Indígena, a constituição de um Conselho Estadual normativo, consultivo e executivo, e o desenvolvimento de um currículo próprio.
A proposta de composição do núcleo contempla representantes indígenas Potiguara e Tabajara e técnicos da Funai, da SEDUC, de universidades, do Ministério Público Federal (MPF) e do Conselho Estadual de Educação, reafirmando a importância do protagonismo indígena na construção de uma educação sintonizada com os projetos de vida dos povos originários. Os professores também discutiram a construção de um currículo escolar indígena enraizado na visão de mundo Potiguara. Eles defendem que o currículo deve ir além da simples inserção pontual de conteúdos culturais, estruturando-se a partir da valorização dos saberes ancestrais, do ensino da língua Tupi Potiguara e do uso de materiais didáticos próprios.
Com o apoio à assembleia, a Funai reforçou seu compromisso com a consolidação de uma educação autônoma e de qualidade para os povos indígenas, conforme destacou o chefe do Serviço de Promoção dos Direitos Sociais da Funai, Wdson Fernandes, “A Funai continuará ao lado dos professores e professoras Potiguara, apoiando, acompanhando tecnicamente e sendo parceira em cada passo dessa caminhada”, disse. Ele enfatizou ainda que “a educação indígena não é favor, é direito. E a Funai seguirá sendo aliada incondicional das professoras e professores indígenas, que são guardiões da cultura, da língua e do futuro de seus povos.”
Como autarquia federal especializada na política indigenista, a Funai possui atribuições para assegurar o direito dos povos indígenas à educação. Entre elas está a articulação, o acompanhamento e a promoção das políticas e ações voltadas à educação indígena, sejam elas escolares ou comunitárias. A autarquia atua no fomento e no apoio aos processos educativos comunitários indígenas, por meio de projetos, oficinas, encontros e outras iniciativas, especialmente aqueles voltados à sustentabilidade ambiental e territorial, à valorização das culturas, línguas e identidades.
A coordenação nacional da política de Educação Escolar Indígena, no entanto, é de competência do MEC. A implementação, por sua vez, é atribuição dos estados e municípios, os quais são responsáveis pela sua execução para que este direito seja garantido aos povos indígenas.
Saiba qual é o papel da Funai na Educação Escolar Indígena
Valorização profissional
Os professores defenderam ainda o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos Profissionais da Educação Indígena (PCCRI), com respeito às especificidades do magistério indígena, com reconhecimento à sua trajetória formativa singular, às suas línguas e culturas, e com garantia de condições dignas de trabalho e valorização profissional. Nesse sentido, os educadores cobraram a regularização do reconhecimento da categoria profissional nos contracheques dos professores indígenas.
Indígena do povo Potiguara, o professor de história da Escola Centro Social São Miguel, José Carlos, destacou a importância da assembleia para o diálogo e fortalecimento dos professores e da educação indígenas. “É onde podemos compartilhar experiências, desafios e estratégias para melhorar a educação em nossas comunidades. Esse momento ajuda a valorizar nossa cultura, nossos direitos e nossas formas próprias de ensinar. É também uma maneira de garantir que nossas vozes sejam ouvidas e respeitadas, contribuindo para uma educação verdadeiramente inclusiva, culturalmente relevante e que fortalece a identidade Potiguara”, reforçou José Carlos.
A assembleia resultou na elaboração de um documento coletivo, no qual os professores cobram maior autonomia na participação de discussões e eventos que envolvam a educação indígena. O documento reitera que decisões sobre a escola indígena devem ser tomadas com protagonismo dos povos originários, respeitando sua autodeterminação e os seus projetos de vida.
OPIP
Criada em 2004, a OPIP é uma entidade representativa que nasceu da luta histórica dos professores indígenas pela valorização dos seus saberes, da língua materna e dos métodos próprios de ensino-aprendizagem. Herdeira dos movimentos nacionais iniciados na década de 1970 — como a criação da União dos Professores Indígenas (UNI) — a organização tem atuado na defesa de uma educação diferenciada, bilíngue e intercultural, conforme garantido pela Constituição Federal de 1988.
Segundo o professor, antropólogo e diretor executivo da OPIP, Daniel Santana Neto, a educação escolar indígena é coletiva por essência e sua conquista foi resultado da luta direta das lideranças indígenas. Ele afirma que diversas lideranças pioneiras têm atuado, historicamente, para consolidar e fortalecer a educação escolar do povo Potiguara. “Foi nesse contexto de mobilização e resistência que surgiu a OPIP, hoje referência essencial para professores e escolas indígenas Potiguara na Paraíba”, afirmou.
Daniel Santana Neto também classificou a assembleia, realizada no dia 23 de maio, como um “marco” da luta pela autonomia dos educadores e das escolas indígenas Potiguara, bem como para a promoção de uma educação inclusiva e voltada para os valores e saberes tradicionais. “O evento representou um momento de grande expressão política e pedagógica, reunindo professores dos três municípios do território Potiguara”, pontuou. A realização da assembleia também contou com o apoio das prefeituras municipais de Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação.