Pela primeira vez, a USP terá uma “trinca” de mulheres indígenas liderando a Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciências, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Vindas de realidades culturais e de territórios diferentes, Arissana Pataxó, Francy Baniwa e Sandra Benites foram escolhidas pelo comitê de governança da cátedra por serem mulheres que se destacam nas artes, educação, ecoagricultura, pesquisa antropológica e defesa da cultura e direitos dos povos indígenas. O trio já começou a se reunir para planejar as atividades, mas a cerimônia de posse deve ocorrer no dia 1º de março.
As três mulheres irão liderar o programa Caminho da cotia: territórios e saberes das mulheres indígenas, substituindo a escritora e professora Conceição Evaristo, titular em 2022 e 2023. A nomeação também é motivo de celebração, já que a cátedra irá completar dez anos de existência no mesmo mês em que se comemora o Abril Indígena.
“Acredito na ideia do diálogo. Trago em minha atuação esse fazer, onde outras culturas e outras percepções se encontram”, conta Sandra Benites, doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Museu Nacional. Além de curadora de arte e antropóloga, a indígena guarani nhandeva ressalta a dimensão educacional da cátedra. “Vamos contribuir para fazer uma mediação entre indígenas, universidade e a sociedade. Quem desconhece os modos de vida indígenas, vai continuar ignorante. Às vezes, por falta de entendimento e, muitas vezes, levando ao desrespeito”, explica.
Também envolvida com o mundo das artes e da educação, Arissana Pataxó realiza sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em História da Arte, “que há décadas está baseada na cultura europeia”, diz. Ela lembra que há, no entanto, um movimento contemporâneo de olhar para a diversidade das culturas negra e indígena, que depende do desejo de construir uma nova história. “Pensar que as artes dos povos indígenas não estão atreladas a um espaço quadrado branco, mas se relacionam com a vida, com a memória, a saúde, as ciências. Um contexto artístico que ainda não é reconhecido pela academia”. Para Arissana, a arte e a educação têm o dever de fazer uma reparação histórica, porque elas mesmas construíram uma visão preconceituosa, racista e difamatória dos povos originais. “Esse currículo pode mudar, mas não com um viés do passado, do ‘Descobrimento’ ou da Guerra do Paraguai. E sim como parte da sociedade atual”, afirma.
Ao Jornal da USP, a cineasta e também pesquisadora do Museu Nacional, Francy Baniwa, lembra da versatilidade da mulher indígena, “que exerce vários papéis sociais e em sua comunidade, mas que sai da teoria e parte para o campo real, que é o ponto-chave de sua existência”. Ela destaca que a vivência na roça e na academia permitiu fazer projetos diretamente com mulheres indígenas, que serão o foco do programa liderado por ela e as colegas de cátedra. “Vejo um potencial muito grande de termos três concepções diferentes e essa riqueza vinda de três territórios diferentes do Brasil, unidos na USP. A gente vai trazer mulheres para ocuparem esse lugar, descolonizar o pensamento e tirar da invisibilidade etnias indígenas do Brasil”, acrescenta.