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Bahia: taxa de crianças indígenas sem certidão de nascimento é 80% maior do que população em geral

A certidão de nascimento é direito primordial de todos os brasileiros, pois permite acesso a serviços básicos. Crédito: Shutterstock

Em um território indígena, afastado dos grandes centros urbanos, uma mãe dá à luz. Poucos dias depois, o bebê morre e é enterrado na aldeia. Para o Estado brasileiro, ele nunca nasceu e, como consequência, não morreu. Situações como essas se repetem em terras indígenas em todo o Brasil, inclusive, na Bahia. Os obstáculos para universalizar o registro civil de crianças de até 5 anos são superados, aos poucos, no estado, mas a proporção de indígenas sem certidão de nascimento ainda é 80% maior do que a população baiana em geral.

Você pode até ter nascido, mas, para o Estado, só passou a existir a partir da emissão da certidão de nascimento. O documento, direito primordial de todos os brasileiros, é o que permite acesso a serviços básicos, como vacinação, matrícula em escolas e auxílio social. Também é pré-requisito para a retirada de outros documentos.

O registro deve ser feito em cartórios de Registro Civil e Pessoas Naturais, que emitem a certidão de nascimento gratuitamente, como explica Andreza Guimarães, diretora da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). “É preciso apresentar a declaração de nascido vivo (DNV), que contém as informações sobre o nascimento e os documentos pessoais, RG e CPF, do país”, diz.

Os bebês deixam as maternidades com os registros preenchidos, na maioria dos casos, mas essa não é a realidade de todo o país. Na Bahia, 0,63% das crianças indígenas de até 5 anos não tinham certidão de nascimento, segundo informações do Censo 2022. O número representa 102 do total de 16.804 crianças dessa parcela da população. Os dados foram divulgados na quinta-feira (8), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora pequena, a proporção é 80% maior do que a dos baianos em geral (0,35%).

“Tem casos de mortes de crianças indígenas que não são contabilizadas porque elas nascem e morrem dentro dos territórios. Um dos maiores impactos da falta dos registros é justamente esse. Quando a criança é registrada, o Estado passa a saber e contabilizar sua existência”, analisa Thyara Pataxó, presidente da Associação de Jovens Indígenas Pataxó (Ajip) e estudante de Direito. Em caso de partos sem assistência médica, como os realizados em aldeias, o oficial de registro do cartório mais próximo preenche a declaração de nascido vivo, a pedido da secretaria de saúde.

Segundo Thyara Pataxó, situações como essa são mais frequentes entre grupos isolados. “O problema da falta de certidão de nascimento atinge, principalmente, comunidades que têm pouco contato com a cidade ou que têm dificuldade em conseguir assistência jurídica”, completa.

Para driblar as dificuldades de acesso aos cartórios de registro civil, onde as certidões de nascimento são emitidas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) concede o Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani). O documento não substitui a certidão de nascimento, mas pode servir para solicitá-lo, no futuro. Na Bahia, 228 crianças de até 5 anos tinham o registro da Funai, segundo o Censo.

Uma pesquisa divulgada em abril deste ano, apontou que a taxa de mortalidade das crianças indígenas de até 4 anos é mais do que o dobro da registrada entre o restante da população infantil no país. Entre 2018 e 2022, para cada 1 mil nascidos vivos entre os indígenas, 34,7 crianças com até 4 anos morreram. Entre as não indígenas, foram 14,2 mortes, em média. É possível que, pela ausência de registros civis, o número seja ainda maior.

Queda nos registros

Nenhum dos 417 municípios baianos possui mais que 5% das crianças de até 5 anos sem certidão de nascimento. Isso mostra que o estado caminha para a universalização do registro civil, uma das metas da Organização das Nações Unidas (ONU) a serem cumpridas até 2030. A média da Bahia é de 99,5% crianças com registro em cartório, o que representa um aumento frente ao Censo 2010, quando a cobertura era de 98,3%.

Mas nem todas as cidades baianas evoluíram com o passar dos anos. Prova disso é que 19 municípios registraram queda na proporção de crianças registradas. A redução mais significativa ocorreu em Banzaê, no nordeste baiano. Na pequena cidade de 11.958 habitantes, 4,5% das crianças de até 5 anos não têm certidão de nascimento. A localidade é uma das que possui as maiores proporções de habitantes autodeclarados indígenas (24%). O nome Banzaê, inclusive, tem origem indígena e significa “terra dos valentes”.

“O registro é o primeiro documento civil que oficializa, para o Estado e para a sociedade, a existência de um novo indivíduo. Ele permite o acesso básico a serviços essenciais e garante o exercício da cidadania”, ressalta José Eduardo Trindade, analista do IBGE. “A prova de idade é necessária para prevenir trabalho e casamento infantil, recrutamento de menores para as forças amadas, entre outros”, completa.

Não é comum, mas existem casos de pessoas que passam a vida sem existir para o Estado. Andreza Guimarães, diretora da Arpen, conta que atendeu o caso de uma pessoa de 50 anos, no município de Castro Alves, que nunca tinha sido registrada. A primeira necessidade de reconhecimento oficial surgiu na pandemia, quando precisou de documento para se vacinar contra a covid-19.

“As pessoas acham que situações como essas não existem, mas acontecem. São casos de pessoas que passaram a vida na zona rural e nunca foram ao médico. Mas, na pandemia, precisaram se vacinar e não tinham cartão do Sistema Único de Saúde(SUS) e nenhum documento”, diz. Nesses casos, os cartórios têm procedimentos específicos para registro tardio.

Além da falta de registro civil, uma outra questão, mais frequente, se repete nos lares baianos: a ausência do nome dos pais nas certidões de nascimento. Em fevereiro deste ano, uma reportagem do CORREIO revelou que a cidade baiana de São Domingos tem índice de pessoas registradas sem o nome do pai (18%) quase três vezes maior que o registrado no Brasil (7%). Na Bahia, 35 crianças são registradas sem o nome do pai por dia.

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