Os estados do Amazonas e Roraima, palcos da catástrofe humanitária que atingiu o povo indígena ianomâmi no governo de Jair Bolsonaro, foram os que mais registraram mortes violentas dessa população no país entre 2020 a 2021.
Os números estão no Atlas da Violência 2023, publicação divulgada nesta terça-feira (5) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os dois estados são alvo da invasão do garimpo ilegal, sobretudo nas terras dos ianomâmis.
“Os invasores contribuíram muito para crescerem mais os conflitos. Os garimpeiros levaram muitas armas de fogo para as comunidades. Ano passado, tivemos um problema muito grande em Xitei, onde adolescentes de 12, 13 e 14 anos beberam e mataram uns aos outros, com [revólver calibre] 38”, disse na ocasião Júnior Hekurari Yanomami, que preside Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY).
De acordo com o levantamento, cada estado registrou 43 mortes violentas no total de 193 ocorridas em 2020. Os dois estados são seguidos do Mato Grosso do Sul (34) e Pará (14).
Em 2021, quando 200 homicídios foram marcados, assinalam-se os seguintes estados: Roraima (46), Amazonas (41), Mato Grosso do Sul (35) e Maranhão (10).
SUICÍDIO EM ALTA NO AMAZONAS
No caso de suicídio entre indígenas, as maiores incidências estão no Amazonas e Mato Grosso do Sul.
“Há algumas contribuições que auxiliam no esclarecimento das causas de suicídio nessa população. Em ambos os estados, com elevada população autodeclarada indígena, os conflitos fundiários e a violência relacionada aos interesses político-econômicos – antagônicos ao bem-estar da população indígena – permanecem, incorporando particularidades de cada região”, diz um trecho da pesquisa.
No Amazonas, são apontadas as mudanças culturais no regime de uso das terras indígenas, simultâneas à urbanização e deslocamento de indígenas para as cidades, que levam ao maior consumo de álcool e outras drogas, bem como a conflitos entre gerações.
CONFLITOS
Já no Mato Grosso do Sul, há a demanda reprimida pela demarcação de terras, que envolve indígenas em confrontos letais com não indígenas, além de frustrar expectativas de melhoria da qualidade de vida diante da morosidade das demarcações.
“Em ambos os casos, o Estado está presente em suas múltiplas e contraditórias formas. É necessário desmistificar a crença na ‘ausência do Estado’ nessas regiões. Na verdade, o Estado é atravessado por interesses variados”, disseram os pesquisadores.
Também contribuem para agravar a situação forças que advogam o chamado desenvolvimento que desconsidera direitos e necessidades das populações indígenas.
“Outras são francamente contrárias ao reconhecimento dos direitos territoriais indígenas; e há ainda uma parte do Estado – e de suas instituições – que implementa políticas de promoção e reconhecimento destes direitos, mas seus recursos e capacidades são insuficientes”, diz a pesquisa.
As instituições consideram que a confluência entre Estado poroso aos interesses econômicos e a frágil institucionalidade, no campo das políticas indigenistas, cria o caldo de cultura propício às diferentes formas de violência.
“Considerando os dados de 2019 a 2021, Amazonas, Roraima e Mato Grosso do Sul se mantêm como áreas alarmantes de conflitos letais contra indígenas. Acompanha-se, nesse contexto, um aumento progressivo do número de homicídios nos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Ceará e, como destacado, Roraima”, revelou o estudo.
“O monitoramento dessa escalada, vinculando-a às suas dimensões causais, tem o potencial não apenas de indicar orientações às políticas públicas de segurança, como também socioambientais”.