Professora do Instituto de Letras da Universidade de Brasília e primeira representante dos povos originários a compor o quadro docente da instituição, Altaci Rubim foi recém-nomeada coordenadora-geral de Articulação de Políticas Educacionais Indígenas, no Departamento de Línguas e Memórias Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas. Com trajetória ligada ao ativismo, a professora, pertencente ao povo Kokama, foi uma das responsáveis por fundar a Gerência de Educação Escolar Indígena de Manaus, pasta que chefiou em 2017, administrando 22 centros de línguas e quatro escolas voltadas a esta população.
Desde o ano passado, é representante dos povos indígenas da América Latina e Caribe no Grupo de Trabalho Mundial da Década das Línguas Indígenas, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para vigência até 2032. A iniciativa visa traçar ações e estratégias para valorização, manutenção e fortalecimento das línguas indígenas em todo o planeta.
No Ministério dos Povos Indígenas, Altaci atuará para garantir a inserção e circulação das línguas das diversas etnias no âmbito educação escolar indígena e também em outros espaços, como nas comunidades. “Até agora, temos visto muito investimento dentro das escolas indígenas, mas as línguas indígenas são deixadas de lado e é enfatizado o português. Não que sejamos contra a língua portuguesa, mas hoje temos que tomar conta do nosso sagrado, que é a nossa língua, o nosso território, o nosso bem-viver, e tudo isso passa pelos nossos saberes e pelo fortalecimento das línguas indígenas”, aponta a docente.
Para ampliar os esforços nesta área, a coordenação estará em parceria com as representações do GT da Unesco estadual, regional e nacional e também junto a instituições de ensino, organizações não governamentais e entidades internacionais para levantar demandas e traçar políticas públicas que atendam as necessidades desta população. Altaci também aposta na contribuição de municípios, estados e governo federal para o fortalecimento da educação escolar indígena e das línguas indígenas no Brasil.
Sobre a nomeação para o cargo e a criação do Ministério na atual gestão federal, a docente pontua que os desafios são grandes, mas que serão superados com envolvimento coletivo. “O povo indígena está esperando isso há 500 anos. Nós não vamos dar conta de todas as demandas, mas o que estiver ao nosso alcance, encontrando e atuando junto com parceiros e futuros parceiros, a gente vai com certeza articular, para que a gente possa fortalecer não só as línguas indígenas, porque língua é território, não somente os territórios indígenas, como também a educação, a saúde”, projeta.
TRAJETÓRIA – Altaci Rubim nasceu em Santo Antônio do Içá, na comunidade de Jacurapá, no Amazonas, às margens do rio Solimões. Cresceu praticando os rituais tradicionais de noite de eclipse da Lua e participando do plantio e da colheita na aldeia, tanto na várzea quanto em terra firme, atividades de suma importância na cultura de seu povo. Viu, no entanto, o território onde morava ameaçado ao ser tomado pela prefeitura da cidade. Nesse processo, ela e os parentes perderam espaço para plantar em terra firme.
Diante da situação, aos 19 anos, decidiu mudar-se para Manaus para estudar. Pouco antes, já havia tido experiência como professora indígena na aldeia Ticuna de sua avó, gosto que carregou para o resto da vida. Mesmo com as dificuldades enfrentadas para sobreviver na cidade grande, após seis anos dedicada aos estudos, passou, em 2001, no vestibular da Universidade do Estado do Amazonas (Uema), à época recém-criada.
Graduou-se em Normal Superior pela Uema e em Pedagogia pela Universidade Leonardo Da Vinci. Em seguida, foi para o mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), concluído em 2011. Anos antes, em 2005, assumiu a docência da língua Kokama no primeiro curso superior para professores indígenas do Alto do Solimões, realizado pela Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues. Lá, entrou em contato com professores da UnB e ficou sabendo do Programa de Pós-Graduação em Linguística, onde posteriormente decidiu cursar o doutorado.
“Se já foi um impacto chegar em Manaus, entrar na Universidade de Brasília foi um impacto maior ainda. A pressão era muito grande, ainda mais para mim, que me cobro muito nesse processo de formação”, lembra a docente, que, quase um mês depois do ingresso na instituição, entrou em coma, acometida por uma doença autoimune que causa hemorragias na pele ou mucosa: a púrpura.
Ainda que as recomendações médicas fossem que permanecesse em repouso depois de retomar a consciência, ela decidiu não desistir do curso. “Eu vim de tão longe para chegar aqui e voltar. Não! Se eu morrer, vou morrer fazendo o que eu mais gosto: estudar”, recorda o que disse a seu médico na época.
No doutorado em Linguística, desenvolveu pesquisa para revitalização da língua Kokama, falada entre indígenas no Brasil, no Peru e na Colômbia, mas ameaçada de extinção. Três anos após a conclusão da formação, foi nomeada docente em concurso público na UnB.