Com informações da Agência Brasil
Há uma década acontecia a vigésima edição da Copa do Mundo de Futebol que foi realizada no Brasil. Além da eliminação da seleção brasileira após um 7 X 1 contra a Alemanha, outro fato que envolve o evento foi a tentativa de demolição de espaços como a Escola Municipal Friedenreich, o Estádio de Atletismo Célio de Barros, a Vila Autódromo, a favela Metrô-Mangueira e a Aldeia Maracanã. As desculpas de adaptação para o evento causaram demolições, só escapando de prejuízos à escola.
Ao entrar na Aldeia Maracanã, localizada no bairro carioca que leva o mesmo nome, se percebe um portal no meio da cidade. O local lembra o Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos, que fica na Vila dos Pinheiros, na Maré, que é uma área verde no meio da cidade. Entre veículos e buzinadas se encontra a aldeia, um espaço com árvores e preservação da cultura indígena. Esther Pataxó é moradora da aldeia e defende que as pessoas entendam a vivência dos povos originários. “Um exemplo é a nossa pintura, que significa proteção e força. Chegam a perguntar se a nossa pintura é rena, não entendem que é cultura. Quando estamos fracos nos pintamos e recebemos a força do jenipapo”, ensina.
A aldeia indígena do Rio de Janeiro que abriga mais de 15 etnias está sob ordem de despejo. Nesta terça-feira (22), a FUNAI e a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), uma estrutura criada para tratar de questões relacionadas a disputas por terras, entraram no processo em apoio ao território.
Resistência de mais de uma década
Segundo o advogado Arão da Providência, que representa os indígenas da Aldeia Maracanã, o espaço é ocupado por representantes de povos originários desde 2006, com autorização da União, a quem pertencia o imóvel anteriormente.
Durante a preparação para a Copa do Mundo de futebol de 2014, o terreno da Aldeia Maracanã foi requisitado pelo governo do estado à Justiça, já que se previa a derrubada do prédio como parte da revitalização do estádio do Maracanã, que receberia jogos da competição, entre elas a partida final.
Em 2013, os indígenas e ativistas dos direitos humanos que os apoiavam foram retirados do imóvel, depois de uma tumultuada operação da Polícia Militar no local. A área foi reocupada pelas famílias após o término dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016.
“Chegaram às 5h e resistimos até às 19h. Tivemos apoio de políticos e dos Direitos Humanos nas negociações. Ao final os policiais foram embora. O governo estadual queria a evacuação e que recebêssemos o benefício do aluguel social, mas nós não estávamos interessados”, diz o Cacique Carlos Tucano, presidente do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (Cedind-RJ).
Parte dos indígenas saíram do local e foram para o conjunto habitacional do programa federal “Minha Casa, Minha Vida” entregue pela Secretaria de Estado de Habitação aos indígenas para fins de moradia.
“No dia 20 de março de 2013 fomos removidos para Jacarepaguá, onde ficamos um ano e meio. Depois nos colocaram em 20 apartamentos num conjunto habitacional onde antes funcionava o Presídio da Frei Caneca. Ainda hoje queremos a reforma do Museu do Índio. Já apresentamos o projeto e a desculpa é a falta de dinheiro. Já trocaram diversos secretários estaduais de cultura, mas até agora nenhuma resposta. Hoje estamos num prédio, onde chamamos de Aldeia Vertical e não abandonamos a nossa cultura”, conclui o cacique.
Marize Guarani, professora de História, Mestre em Educação pela UFRJ, Doutoranda em Educação pela UFF, afirma que os indígenas são 305 povos no território nacional, com 274 línguas. Também lembra que muitos estão morando em área urbana da cidade, não usando o cocar, mas continuam sendo indígenas. “A situação é tão complicada que nos Censos de 2000 e 2010 se mudou a metodologia para a declaração de ser indígena e assim muitos os urbanos ficaram de fora. Temos no município grupos indígenas espalhados, já chegaram a perguntar se eu era indígena mesmo. Precisamos de mais coletividade para brigar por políticas que implementem os direitos dos indígenas”, destaca.
Um movimento dividido
Mônica Lima Mura Manáu Arawak, professora da UERJ, concorda que o Estado dividiu o movimento. “Um grupo fez acordo e foi para os apartamentos do Programa Minha Casa Minha Vida, chamados de Aldeia Vertical. Enquanto a pauta do grupo que deixou a Aldeia era a restauração do antigo Museu do Índio para construção de um Centro de Referência, a pauta dos indígenas que permaneceram é a demarcação dos 14 mil e 300 metros quadrados da Aldeia Maracanã, a formalização da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã, e a restauração do antigo espaço para ser um Museu Vivo, patrimônio histórico e de memória material e imaterial, que também funcionaria como um Centro de Acolhimento Indígena. Fomos ocupar a UERJ e participar do Seminário onde o acordo do Centro de Referência seria assinado, mas a universidade nos fechou os portões”, detalha.
Ela define o espaço como a Tekohaw Marakà’nã, Aldeia Pluriétnica em contexto urbano, sede da Universidade Indígena, que representa a resistência da ancestralidade indígena. Além de ser um centro de produção, confluência e compartilhamento de saberes, ciências, tecnologias e conhecimentos tradicionais de diversos povos originários. Abrigada dentro da Aldeia, está a Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM) que os povos originários lutam pelo reconhecimento e formalização legal. É um local de encontro, troca de saberes ancestrais, (re)produção de conhecimentos coletivos, comunicação, (re)definição de estratégias, atuação conjunta e fortalecimento da resistência. Sendo um lugar que promove pesquisas, ensino e valorização da sabedoria/ciência dos povos tradicionais aos que visitam o espaço.
“Na cidade que invadiu a floresta também sofremos com os megas eventos esportivos e megas empreendimentos da especulação imobiliária. Recentemente recebemos uma ordem de despejo do judiciário em conluio com a especulação imobiliária, mas mobilizamos forças políticas nacionais, internacionais e até mesmo dentro do próprio judiciário e, portanto, houve um certo “recuo”. É urgente a demarcação de nosso território ancestral. Demarcação já”, finaliza.
A Secretaria de Estado de Cultura informa que possui desde 2016 decisão judicial favorável à posse do imóvel localizado na área conhecida como Aldeia Maracanã que, no entanto, está ocupado irregularmente. A decisão permanece sem cumprimento e sem trânsito em julgado por causa da interposição de recursos pelas partes. A elaboração do projeto só será realizada a partir da retomada de posse do bem, a partir de avaliações técnicas dos profissionais da secretaria sobre a situação atual do imóvel.
*Esta reportagem foi produzida por meio do projeto Sala de Redação, desenvolvido pela Énois, um laboratório de comunicação que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. As informações foram apuradas de forma colaborativa pelo Maré de Notícias (RJ).